Miguel Gustavo de Paiva Torres
Soam as trombetas da guerra em Jerusalém e caem as
muralhas de Brasília, no Planalto Central da América do Sul. Cidade santa para
os judeus, muçulmanos e cristãos, teve as suas pedras milenares lavadas com o
sangue de culpados e inocentes em nome de Deus, e da posse terrena dos seus
lugares sagrados. Romanos, judeus, árabes e europeus morreram e mataram em nome
de Deus, e do poder tribal.
Na América do Sul reuniram-se os seus descendentes de uma
maneira pacífica única no mundo, nas terras que pertenceram aos indígenas
migrantes da Ásia no final da idade do gelo, carregando os seus próprios deuses
na água e no fogo sagrado da natureza do Universo.
Na Bahia, no Rio de Janeiro e, finalmente, em Brasília,
construíram, ao longo de 500 anos, um estado nacional multiétnico,
multicultural e com respeito à diversidade religiosa ocidental, oriental e,
depois de muita perseguição, africana. Projetou no coração e mentes dos humanos
distribuídos no globo terrestre a imagem da paz e da harmonia, durante largo
período da história contemporânea.
Rico em recursos naturais, mas pobre em posses materiais,
o Estado brasileiro construiu as muralhas da sua defesa contra a invasão e a
dominação dos mais fortes utilizando a mais importante arma desenvolvida nas
civilizações do oriente e do ocidente: a Lei.
Sem bombas de hidrogênio, mísseis e submarinos nucleares,
usou com maestria o Direito Internacional para se proteger e se desenvolver.
Para isso, cultivou, desde sua independência do Reino de Portugal, em 1822, uma
diplomacia respeitada e reconhecida no mundo inteiro como exemplo de
competência e de eficiência política e econômica, do mar territorial ao espaço
exterior.
Os menos avisados sobre a realidade do poder mundial,
construído na base da força bruta e do sangue de inocentes, acreditam
ingenuamente que o Brasil é um gigante. Não é. Gigantes são a China, a Índia e
a Rússia. O Brasil é apenas um país grande com corpo de palha do litoral e pés
de barro sertanejo. Como cantou o menestrel Juca Chaves nos anos 60 do século
passado, teve a glória de comprar um velho porta aviões para a defesa da sua
imensidão marítima e só conseguiu defender essa imensidão de mar, de terra e de
espaço, com a única arma que realmente funcionava para a diplomacia dos
desarmados e fracos: a Lei.
Mudar por ato de vontade política, ideologia ou
pertencimento religioso a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém é um
ato de quebra da tradição legal da diplomacia brasileira e, portanto, da única
arma de que realmente dispomos para lutar na arena dos leões internacionais.
Em vez de termos ao nosso lado o reconhecimento mundial
pela justeza de nossas causas embasadas no direito internacional, teremos apenas
o enfrentamento e o ódio. Que certamente descambará também para o plano da
convivência pacífica multiétnica que conseguimos forjar em terras brasileiras.
Ainda é tempo de se dar uma satisfação serena ao grande e respeitável Estado
judeu de Israel.
Que se instale um Consulado Geral do Brasil em Jerusalém
Ocidental, cidade que conta com larga população judia de origem brasileira. Mas
transferir a Embaixada, que fique bem claro, será uma afronta ao status legal
definido pela ONU para a cidade, opção pelo confronto com o mundo árabe e
muçulmano e o fim de uma larga tradição diplomática, que certamente perderá o
respeito e o reconhecimento mundial do qual desfrutou nos últimos 200 anos de
existência do Império e da República do Brasil, terra de todos os povos e de
todas as religiões.
Miguel Gustavo de Paiva Torres é diplomata.
(Artigo publicado originalmente no Diário do Poder)
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