José Sarmey
O Brasil tem uma tradição de
ter sempre o orçamento dos gastos públicos como uma obra de ficção.
É sempre um sonho, uma
aspiração que se renova a cada ano, quando o Congresso vota a Lei de Diretrizes
Orçamentárias e a Lei Orçamentária, fixando receita e despesa. Já se sabe que
não vão ser cumpridas. E do mesmo modo vêm a cada ano os decretos de
contingenciamento orçamentário: corte linear nas despesas que oscila entre 10,
20% — ou o número que vier na cabeça do Ministério do Planejamento. Outra
ficção, também não são cumpridos.
Quando ocupei a Presidência
da República o Brasil ainda tinha a mania de burlar o verdadeiro orçamento
tendo três orçamentos: o Orçamento Fiscal, o Orçamento das Estatais e o
Orçamento Monetário. Para complicar tudo isso, em que nunca se sabia o
verdadeiro orçamento, tínhamos a conta de movimento no Banco do Brasil, onde o
governo podia sacar sem fundo nem limites. Aventurei-me e fiz a grande reforma,
acabando com a conta de movimento e, ao mesmo tempo, criando a Secretaria do
Tesouro e o SIAFI — que deu transparência às contas públicas e com que se pode
saber o que havia na caixa preta orçamentária. Até hoje, o Brasil exporta
tecnologia sobre transparência orçamentária. Não tinha sido possível fazer até
então porque nenhum presidente queria abdicar do poder de gastar a vontade, sem
controle; mas eu tive a coragem e a visão da necessidade de modernizar e fazer.
E fiz. O rombo apareceu e o FMI não teve mais necessidade de mandar vir aqui,
para vergonha nossa, aquelas comissões que ocupavam salas do Palácio do
Planalto, auditando as contas brasileiras, porque não se sabia onde estava o
verdadeiro orçamento.
Endividar o Brasil faz parte
sua existência. Quando Dom João VI voltou a Portugal, raspou os cofres
públicos, e no reconhecimento da Independência assumimos suas dívidas de 3
milhões de libras (o equivalente a 12 bilhões de libras atuais) com a
Inglaterra.
O problema fiscal continuou
na República. O primeiro colapso, que mostrou a falência do país, foi quando
Campos Sales negociou a dívida, com suas consequências duras sobre a vida das
pessoas e das empresas. Rodrigues Alves promoveu a austeridade fiscal, mas logo
retomamos a gastança.
Um orçamento sem déficit é
um sonho antigo, embora até hoje se conteste isso e muitos defendam que é um
engessamento que não permite crescimento.
Na contramão do que ocorre
no governo federal e em grande parte do Brasil, desde o Governo Paulo Ramos o
Maranhão é um estado que manteve suas contas públicas organizadas. Nunca mais
houve atraso no pagamento do funcionalismo, para citar o menos: no tempo de
Governador Luís Domingues se chegou ao auge, e ele recebeu uma carta célebre,
até hoje peça clássica de ironia, pedindo que pagassem ao autor — funcionário
público —, pois, com seis meses de salário atrasado, era obrigado a se sonhar
fazendo coisas escabrosas com as damas mais respeitáveis da sociedade.
Já disse aqui que Roseana
tinha verdadeira obsessão com a Responsabilidade Fiscal e o Estado era o 2º
mais equilibrado do Brasil, pagando em dia funcionários e fornecedores.
Vejo agora que o Maranhão
foi rebaixado no índice de capacidade de pagamento (sua relação entre despesa e
receita, a Poupança Corrente, passou do limite de 95%) e não pode mais tomar
empréstimos; já está com parte do funcionalismo atrasado, juntou-se aos outros
estados do Brasil na crise da previdência (com R$ 1 bilhão de déficit
previdenciário no ano passado) e teve o seu Fundo de Aposentadoria raspado, com
os saques do governo para atender ao caixa geral.
Vamos voltar à tradição do
Maranhão: finanças equilibradas, aposentados e funcionalismo em dia,
fornecedores recebendo suas dívidas. Fora daí é o caos. A salvação é a
Responsabilidade Fiscal, um avanço para um país progredir e o povo viver com
inflação baixa. Só gastar o que arrecada!
José Sarney
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