São Luís em Dezembro
José Sarney
Os sinos do Natal já podem ser ouvidos nos seus sons distantes.
Quando eu era menino e começava, em São Bento, a descobrir
o mundo com suas belezas, a primeira coisa que me encantava era o campo verde,
lindo tapete de capins: andrequicé, arroz brabo, canarana, capim de marreca.
Depois eram os passarinhos que via pousados no fio de telégrafo que atravessava
o campo e perdia-se no infinito.
As garças elegantes e brancas olhavam desconfiadas para os
lados, sempre atentas a qualquer peixinho que passava nas águas rasas e não
escapava de seus bicos. As plantas aquáticas, o mururu, o água-pé, o algodão
bravo soltando suas plumas ao vento e os lagos com suas águas de espelho só
perturbadas pelas canoas de varas e de remos.
Depois descobri as cores e guardei para sempre na memória
os sinos da igreja, tristes no toque de anunciar os que morriam e alegres ao
comemorar as festas e aleluias.
A palavra felicidade, disse, está associada à infância. Que
encantamento o carinho de nossos pais, a descoberta das cores e o milagre dos
arco-íris.
E aí surge o Natal, surge a missa do galo, a espera de
Papai Noel, que era pobre como nós e trazia cavalos de vassoura e latas velhas
pintadas para improvisados tambores.
Depois começo a conhecer a vida. Vim para São Luís e me
apaixonei pela cidade, pelos bondes, pelas ruas, pelos sobrados, que não
existiam no interior.
O Natal já era diferente. Tinha bandeirinhas nas ruas e
lindos presépios nas igrejas. Os sinos eram de sons fortes, carrilhões que nos
sugeriam as alegrias do nascimento do Menino Jesus.
O Natal de hoje vem chegando. É um Natal de Jesus dos
comerciantes, vestido de rico, com luzes feéricas em todas as praças e ruas,
com festas de amigo invisível, e presentes e mais presentes e as ceias com os
perus de granja, sem o gosto dos da minha infância nem a farofa do peito
disputada com meus irmãos.
E um mundo em que só se fala em protestos, agitações,
greves, assaltos, violência contra as mulheres e em que, mais que a vinda do
Redentor, conta a Black Friday com ofertas mirabolantes que despertam
fantasias, criam sonhos e geram frustrações.
Mas não quero ser saudosista. Vamos agradecer a Deus a
graça da vida, viver Dezembro, com luzes, enfeites e festas, esquecendo o que
passa e acreditando que vamos sempre melhorar com o milagre do Nascimento de
Deus, ressurreição da esperança.
Jesus Cristinho, como canta o Boi Barrica, será sempre, na
palavra de Fernando Pessoa, o menino que “vive na minha aldeia comigo”. De São
Bento, de Pinheiro, de São Luís — do Largo do Carmo, do Portinho, da Praia
Grande, do Calhau, de Ribamar, do Panaquatira e de Curupu.
José Sarney
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