A visão de Leonardo
Vittorio Medioli
Diante do surto de coronavírus que amedronta o planeta,
Leonardo pode fornecer alguns argumentos interessantes, escritos há cinco
séculos
Completaram-se 500 anos da morte de Leonardo da Vinci, sem
que sua obra esteja ainda totalmente compreendida, apesar de universalmente
admirada. Algumas peças dele mostram-se frutos de uma genialidade
extraordinária.
Leonardo era filho ilegítimo de um abastado florentino. De
personalidade diferenciada, com apenas 17 anos fugiu de uma condenação à morte
por relações homossexuais. Saiu da Florença, governada pela família Medici, e
acabou se consagrando como gênio, no final do século XV, em Milão, na corte de
Ludovico, “o Moro”, da família Sforza, reafirmando que “santo de casa não faz
milagres”.
Dotado de faculdades extraordinárias, continua um mito e
objeto de estudos dentro e fora da Europa.
Hoje, diante do surto de coronavírus que amedronta o
planeta, faz cair as atividades econômicas, encolher em 10% os valores de
trilhões das Bolsas, num fenômeno que não se repetia desde a Depressão de 1929,
Leonardo pode fornecer alguns argumentos interessantes, escritos há cinco
séculos.
“Chegará o dia no qual os homens julgarão a matança de um
animal da mesma forma que julgam hoje aquela de um homem”. Além de ser vegano
convicto, Leonardo associava o sofrimento dos animais àquele dos homens e
profetizou que no decorrer da evolução humana se instalaria a percepção das
consequências, não apenas materiais e físicas, como intelectuais e espirituais,
provocadas pelos sofrimentos de animais.
O coronavírus, como outros vírus e bactérias
super-resistentes dos últimos cem anos, se originaram e continuam a eclodir do
maltrato de animais, sacrificados para alimentar seres humanos.
A gripe asiática em 1957 partiu da criação de patos na
China para atacar os humanos e provocar 1,5 milhão de mortes; a Aids partiu do
contato com macacos ocorrido na década de 50, na África, e se propagou para o
mundo ocidental no início dos anos 80. A doença conhecida como “vaca louca”
explodiu em 2001 em confinamentos de bovinos submetidos a ração e hormônios
absolutamente impróprios para herbívoros; a gripe aviária de 1997 apareceu em
aviários de Hong Kong. A Sars, em 2003, também de origem zoonótica, foi
atribuída a gatos comercializados na China. Já em 2009, a gripe suína partiu da
criação de porcos em áreas de extrema pobreza do México.
O atual coronavírus vem de cativeiros de animais selvagens
comercializados para alimentação humana na China.
Em comum, essas doenças terríveis têm o interesse na
redução de custo, na engorda de aves, suínos, bovinos e animais selvagens,
submetidos a condições cruéis, sem higiene, sem respeito pela situação aviltante
em que são enclausurados. Frangos, porcos e vacas que mal podem se movimentar,
que são alimentados com o interesse de aumentar os lucros de quem os
comercializa, por vez alimentados com substâncias não condizentes, escórias
insalubres, castigadas com luz artificial que acelera o metabolismo.
A contradição com a natureza e a concentração fora de seu
habitat provocam a degeneração do sistema imunológico, insinuam-se doenças
epidêmicas que se transmitem entre eles e atingem, enfim, seus algozes e os
consumidores.
Os tratos dispensados aos animais, sem consideração pelas
características das raças a que sempre pertenceram, sufocados na falta de
espaço e de higiene, os sofrimentos cruéis levam a perder as autodefesas e a
permitir, com insolente frequência, o desencadeamento de doenças até então
desconhecidas. Não porque os animais mudaram, mas porque o homem mudou em
relação a eles.
Esses “pecados” cobram penas dos animais e um castigo
(cármico) da raça humana, que, por ação ou por omissão, permite a consumação de
grave injustiça.
Nota-se que o adensamento dos animais, além de provocar
situações exterminadoras, impõe à população humana a necessidade do
distanciamento e separação para evitar o contágio por meio de toque ou da mera
presença no mesmo ambiente.
Leonardo era, certamente, um ser privilegiado, e
“incompreendido”. Adiantado em seu tempo, a ponto de ter que tomar cuidados
para não ser vítima de incompreensão, preconceitos e perseguições de
inquisidores.
Em Leonardo, entretanto, temos a visão de uma tendência dos
nossos dias, que vem crescendo no veganismo e convencendo grande parcela da
humanidade a se abster daquilo que origina sofrimento.
Artigo publicado dia 1º de março no Jornal O Tempo, de BH

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