quarta-feira, 21 de abril de 2021

Artigo do escritor Nonato Reis

JERSAN ARAÚJO, O IRMÃO QUE ME CONDUZIU NO JORNALISMO

Nonato Reis

Os anos de trabalho em redações de jornal me deram não apenas reconhecimento profissional, como me premiaram com amigos que mais se assemelham a uma irmandade. Entre esses irmãos de ofício está Jersan Araújo, um sujeito que desde o primeiro contato assumiu comigo as funções de um segundo pai, me orientando e me conduzindo pelos caminhos que eu haveria de trilhar.

Eu cursava o ensino médio e Jersan já era um nome consagrado da imprensa maranhense. Na época a única televisão comercial que havia no Maranhão era a TV Difusora, que repetia no Estado a programação da Rede Globo.

Jersan cobria a área de política para a emissora, e isso fazia com que eu sempre lesse o seu nome nas colunas de variedade e também nas notas de destaque da televisão.

Porém, meu primeiro contato com ele foi em 1985, na redação do lendário Jornal de Hoje. Jersan fora escolhido por Castelo para assessorar a sua esposa Gardênia Gonçalves, então candidata à Prefeitura de São Luís. Não demorou e ele entrou em choque com Arimatheia Ataíde, que fazia então as vezes de conselheiro de Castelo para assuntos de comunicação e metia o bedelho em tudo. O resultado desse conflito foi o afastamento de Jersan e a indicação do meu nome para sucedê-lo na espinhosa tarefa.

Lembro da minha primeira cobertura como assessor de imprensa da campanha. Dona Gardênia fizera uma visita à igrejinha do Vinhais Velho, que fica a poucos metros da casa de Jersan. Ao me ver, ele veio ter comigo todo alegre. “Então, é você o meu substituto? Meus pêsames”, brincou, para completar em tom grave. “Reis, ninguém trabalha com Arimatheia. Tu não vai durar um mês nessa função”.

Ele acertou no prognóstico, mas errou na estimativa do prazo. No dia seguinte, após entregar o texto sobre o evento, eu pedi desligamento da campanha, por incompatibilidade de ideias e pensamento. Passada a campanha, Jersan retornaria ao jornal como editor-chefe e me indicaria como seu secretário de redação. Passamos então a atuar um ao lado do outro.

Um dia, eu incomodado com o fato do irmão dele, Anacleto Araújo, ganhar salário mínimo no jornal, quando todos os jornalistas recebiam piso profissional, exortei-o a conversar com a direção da empresa, para pôr fim àquela injustiça. Jersan ponderou. “Anacleto é meu irmão, não fica bem eu interceder por ele. Por que você não faz isso?” E assim resolvemos aquela indignidade.

Eram tempos difíceis. O JH atrasava duas, três folhas de pagamentos. Alguns funcionários não tinham dinheiro sequer para pagar o transporte coletivo. Jersan me chamou a um canto da mesa dele e me segredou. “Reis, eu vou te indicar para me substituir na assessoria de imprensa da Coliseu”.

Eu mudei de cor. “Mas como, você vai abrir mão do teu cargo?” Ele explicou. “Vou concorrer a uma vaga de vereador em São João Batista, não posso ter cargo público. Você fica no meu lugar”.

E assim se deu o meu ingresso no serviço público. Alguns anos mais tarde, ele me pegaria pelo braço novamente e me levaria para a Secretaria de Comunicação do Estado. Disse: “Ademário (Cavalcante) precisa de um jornalista de confiança para cobrir Cafeteria. Indiquei teu nome”.

Nossa trajetória no jornalismo seguiu em paralelo por muitos anos; ele sempre ocupando cargo hierarquicamente superior ao meu. Na Assembleia Legislativa, coordenava a Central de Notícias; eu, escrevia texto. Ele cismou de concorrer à Prefeitura de São João Batista e me indicou para ocupar o seu cargo, no que objetei. “Jersan, pensa bem. Você não tem estrutura para disputar uma eleição de prefeito. No final das contas, você estará às voltas com dívidas impagáveis".

Dito e feito. No pós-eleição, Jersan viveria os seus piores dias. Chegou a colocar placa de venda na sua casa, sob os meus protestos. “Não faz isso, meu irmão. Esse é o teu único bem!”. Ele refutou. “E como vou pagar minhas contas?”. Precisava urgentemente de emprego, e Deus, que a tudo enxerga, apontou o caminho. Jacir Moraes, dono de O Debate, queria que eu assumisse a direção do jornal. “Jacir, eu não tenho disponibilidade, mas posso indicar um grande nome". Ele quis saber quem. “Jersan Araújo”.

Ali começava a sua redenção. Não apenas quitou seus débitos de campanha, como ainda comprou um veículo utilitário, que o conduzia aos fins de semana para a sua São João Batista.

Certa feita fiz-lhe uma visita de surpresa no interior. Ele, todo feliz, me levou ao sítio que estava construindo. Eu mais feliz ainda fiquei, por ver que a sua vida se organizava outra vez.

No lançamento do meu livro “Lipe e Juliana”, na Livraria Amei, qual não foi minha felicidade, ao vê-lo sentado na primeira fila. Já estava aposentado e levando uma vida sossegada, longe do frenesi das redações e das aporrinhações que o jornalismo nos oferece, tomando a sua cervejinha de todos os sábados em um bar da Curva do Noventa, jogando conversa fora, sempre atento ao que é notícia, porque jornalista nunca dá as costas para os fatos.

Outro dia me mandou uma mensagem de whatsaap. Queria o contato de outro irmão, o jornalista Djalma Rodrigues. No final, arrematou. “Precisamos nos ver, bebendo uma puro malte”. Eu o exortei a se cuidar, afinal, os tempos não estão para brincadeira. Ele emendou com o seu habitual senso de humor. “Só tiro a máscara para emborcar um copo”.

Integra o livro de memórias "Lembranças de Repórter", previsto para o próximo ano.


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