quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Ana Jansen, a mais poderosa mulher do Maranhão

Mundo SEMANA LITERÁRIA

Será que Ana Jansen, a mais poderosa mulher do Maranhão, era realmente má? Leia abaixo essa história real e conclua...

"Donana Jansen lança gatos podres às águas". A Narrativa está no livro "Perfil de Ana Jansen/86", de WALDEMAR SANTOS.

10/01/2023

Por: Mhario Lincoln / Fonte: WALDEMAR SANTOS / MHARIO LINCOLN

Do Facetubes


NOTA DO EDITOR. Eu e Waldemar Santos conversamos muito no primeiro período que passei pelo glorioso Jornal Pequeno, final dos anos 70 e quase toda década de 80. Algumas vezes ficávamos sentado na Sapataria na esquina do prédio JP e por uma tarde inteira falávamos de vários assuntos. Um dia ele me convidou para o lançamento da 2ª edição do seu livro “Perfil de ANA JANSEN” e chegou e me confidenciar, “ela não era tão má assim...”.  Porém, a fama de má de DoNaNa era recorrente. Tanto que muitas histórias ainda correm pelos becos e pelas galerias misteriosas da Fonte do Ribeirão (em S.Luís-MA), como uma assombração corre da Cruz.

Assim, nesta Semana Literária Maranhense, escolhi um texto de Waldemar Santos, no livro citado, que mostra alguns lados de DoNaNa Jansen, um deles, com alta matreirice empresarial, a fim de não perder o controle absoluto da distribuição de água (quase potável), na capital do Maranhão, naquela época.

O importante dessa narrativa é a forma com Waldemar descreve as situações, contando detalhes que até então, muitas pessoas e leitores não sabiam. Sem mais delongas, convido-os a ler este texto real – não é invenção - sobre a lendária DoNaNa Jansen.

DONANA JANSEN LANÇA GATOS PODRES ÀS ÁGUAS

*Waldemar Santos, às pags. 39/”Perfil de Ana Jansen”. 2ª edição, 1986.

Até 1856 o abastecimento de água potável em São Luís, era feito em pipas, que carroças conduziam, puxadas por muares. Não havia nada com menos higiene do que essa água bebida pelos maranhenses.

Colhida nos poços do "Apicum" e de "Vinhais", sofria ai uma primeira baldeação, que se repetia às portas das casas, onde o caneco era vendido a 20 réis. Todo o serviço era feito, porcamente, por escravos sujos e imundos. Ninguém pensava em melhorá-lo, pois monopolizava-o DoNaNa JANSEN, que neste negócio tinha como sócio-gerente, Santos José da Cunha, fundador de grande firma Cunha Santos &Cia. Sucessores, que ainda hoje existem na nossa praça. Estavam as coisas neste pé, quando regressou ao Maranhão, formado em engenharia pela "Escola de Pontes e Calçadas", de Paris, Raimundo Teixeira Mendes, descente de velha família maranhense.

Ausente de sua terra, e espírito empreendedor, o jovem engenheiro compreendeu logo a necessidade de canalização da água que São Luís consumia. Vitoriosa a empresa de navegação fluvial e costeira que organizara Teixeira Mendes, atirou-se à tarefa de instalar serviço que fornecesse melhor água a São Luís, e de maneira mais higiênica e cômoda. 

O plano exposto em sucessivos artigos pela imprensa, teve aceitação, e um dia, na "Casa da Praça", os maranhenses subscreveram o capital necessário de 300 contos de réis, dos quais 50% foram recolhidos, imediatamente, ao Caixa da nova empresa. 

Nunca se vira sucesso tão grande no Maranhão. Só duas famílias - Vieira da Silva e Gayoso, subscreveram 2/3 do capital. O nome de Teixeira Mendes, era uma garantia. Havia, porém, uma pessoa na cidade que ria do entusiasmo do povo.

Era DoNaNa JANSEN. Procurada pelo sócio para comunicar-lhe o êxito da incorporação da Companhia, o que prenunciava o fim próximo do seu rendoso comércio de água, DoNaNa ironizou:

- E você, seu José, alarma-se com esta história? Olhe, nhô Mundico aprendeu foi fazer calçadas, não foi vender água. Eu ainda não entrei na dança. Prove este bolo de macaxeira, e vá continuar o conserto do vasilhame. 

Assim, pacificamente, Mendes ergueu a roda hidráulica, no Anil, construiu o cano de alvenaria condutor da linfa, no "Campo d'Ourique", levantou o depósito, derivou dele o encanamento de ferro para os seis bonitos chafarizes, importados da Inglaterra, e localizados nos "Largos do Quartel", do "Carmo" de "Santo Antônio", e praças da "Alegria", "Mercado" e do "Comércio".

E inaugurou a Companhia.

"Água boa e limpa - dizia o povo. Foi aí que DoNaNa JANSEN entrou na dança. E entrou com aquela energia que todos lhe conheciam.

Ainda não tinham decorridos oito dias depois da inauguração da Companhia (das Águas) do Rio Anil, e apareceu boiando nas águas do depósito do "Campo d'Ouri- que", um gato morto em putrefação. Os “negros da Rainha" espalharam a notícia:

- Gato morto na caixa d'água, que o povo repetia pelas esquinas das ruas da cidade. A população recusou servir-se da água suja, numa natural repulsa de nojo.

Os carros pipa de DoNaNa salvaram a situação. A Companhia teve que esvasiar os depósitos, e anunciou, novamente, água limpa. O fato, porém, repetiu-se. Então Teixeira Mendes criou um Corpo de Guardas para vigiar a Caixa d'água. Foi infrutífera, a medida. Altas horas da noite, encaretados atacavam os Guardas, punham mordaças, e pelados, eram atirados no covão fronteiro. Ninguém mais quis ser Vigia.

A Companhia apelou para o Governo da Província, que lhe pôs à disposição um pelotão de soldados de armas embaladas. Cessaram os encaretados, mas a guerra continuaria com outros processos.

Certa noite, os chafarizes não deram água. Qual a causa? Não se sabia. Os operários da Companhia desligaram luvas e cotovelos, e nada, nem uma gota. "Só depois de vários dias de canseira, foi que se descobriu a causa: os canos que ligavam a rede geral aos chafarizes, estavam soldados, e bem soldados... A defesa estava em mais soldados e o Governo deu. Patrulharam com eles, os chafarizes.

Mas um dia, é o depósito que não recebe água do Anil. O defeito estava no cano geral. Descobrem-no do "Campo d'Ourique" até o "Cutim", e lá encontraram uma parede obstruindo-o. De outra feita, é a roda hidráulica que não funciona. Falta-lhe peça importante, desaparecida na noite anterior. Enquanto isto acontecia, as carroças de DoNaNa rodavam pela cidade, matando a sede da população.

Desta maneira, o fornecimento de água da empresa não era regular. Não se podia contar com ele: falhava, quando menos se esperava.

Veio-lhe o descrédito que aumentou com o falecimento de Teixeira Mendes, e as más administrações que lhe seguiram. Foram baldados os empréstimos do Governo Provincial para ampará-la. Aos tombos, viveu mais alguns anos, e acabou falindo. 

DoNaNa JANSEN venceu em toda linha. Por mais quinze anos rodaram as suas carroças pelas ruas de São Luís, pois só em 1874, na administração do Dr. José Francisco de Viveiros, foi que se conseguiu a incorporação de uma nova Companhia que encampasse o acervo da "Anil", com o abatimento de 50% e o encargo do abastecimento da cidade.


Venceram a relutância e descrença dos capitalistas, os esforços dos incorporadores Martinus Hoyer, José João Alves dos Santos, João Bento de Barros e Manoel José da Silva. Nasceu, assim, a "Companhia das Águas de São Luís", com um capital de 500 contos de réis. É bem de ver que todas essas pessoas vítimas do mandonismo imperioso e truculento de DoNaNa, só lhe podiam malsinar o nome. 

Daí as lendas que se formaram em tomo, ora focalizando monstruosas perversidades, ora devassando mistérios de alcova, e muitas das quais não passavam de cópias de outras crônicas.

Certo, DoNaNa JANSEN não foi uma mulher normal, mas não foi também a mulher demoníaca que a tradição nos pintou.

Tem em seu abono, o fato dos seus propalados crimes nunca a terem arrastado as barras da Justiça, nem mesmo nas épocas de ostracismo político da família, enquanto que outras maranhenses poderosas como ela, o foram, e algumas mais de uma vez. Não nos esqueçamos haver DoNaNa JANSEN tido um partido político, e que a politicagem não tem entranhas.

Maria José Bastos Ribeiro, belo espírito de refinado gosto literário, conta-nos no seu livro "O Maranhão de Outr'ora", um fato que se mostra o orgulho da "Rainha do Maranhão", patenteia, também, não ser o seu coração fechado a um gesto de generosidade.

Um dia, bate à porta de DoNaNa JANSEN, um homem. Uma escrava vem dizer-lhe: minha senhora, tem aí um homem que diz "qué falá" com minha senhora.

- Que é que ele quer? Vai perguntar quem é. 

A escrava foi e voltou trazendo a resposta:

-Minha senhora, ele disse que é negócio particular. 

- Manda entrar aqui. 

O homem entrou, respeitoso, chapéu na mão.

-Com licença, minha senhora. D. Rita Castanheira de Melo manda oferecer esta mulata...

 E mostra a pobre que, medrosa, se encolhia atrás dele.

E continuou:

- O preço para sua venda, é 600 mil reis, mas se V. Sa., a quiser comprar, será 400, ou menos, mesmo. D. Rita não fez questão de preço. O que ela deseja, é vendê-la a V. Sa. 

DoNaNa JANSEN compreendera. Seus olhos faiscaram. Sua fama de má era tal, que aquele que desejasse castigar, ferozmente, um escravo, era só entregar-lhe, e estava vingado.

A mulata chorava, silenciosamente. DoNaNa JANSEN, sentou-se na rede... encarou o homem, examinou a mulher, que tremia dos pés à cabeça.

- Vem cá, rapariga, por que é que choras?

A criatura procurou desculpar-se, para não irritar mais a fera. 

- Minha senhora, eu estou chorando, porque me separei de minha irmã.

- É só por isso? (disse DoNANA Jansen).

Só por isso, minha senhora.

DoNaNa continuou:

- Minha mulata, queres ser minha escrava? Tens gosto em me servir?

Que podia dizer a infeliz? Sua sentença de morte estava assinada.

- Quero, sim, minha senhora. Tenho gosto em servir minha senhora.

DoNaNa JANSEN era muito inteligente. Não acreditou, mas fingia aceitar a explicação.

- Está bem, minha mulata. Manoel, vem cá. Gritou, ao Feitor. O homem apressou-se em obedecer. O emissário esperava. Mandou-o sentar-se e, dirigindo-se a ele: 

- Vai já, depressa à casa do Escrivão Maia. Que venha aqui agora mesmo.

Breve chegou o homem.

Os olhos de DoNaNa brilhavam de estranha luz, quando lhe disse:

- Passa aqui o escrito da venda desta mulher.

O Escrivão cumpriu a ordem.

- Muito bem. Agora, passe a Carta de Alforria. 

Pronta esta, entregou ao Comissário os 600 mil réis, dizendo-lhe:

Vá, e diga à sua patroa, que muito pior do que eu, é ela. Ela é uma caninana.  Ca...ni...na...na, (disse-lhe, acentuando sílaba, por sílaba). Ca...ni...na...na, não esqueça o nome. Diga-lhe que a escrava que, para qualquer outro era 600 mil réis, e para mim não tem preço, é livre. Livre, ouviu bem? Pode ir e...olhe, pegue estes 20 mil réis. São para você pagar as solas dos sapatos que gastou, vindo de lá até aqui.

E voltando-se para a mulata que, de joelhos lhe beijava as mãos, chorando, agora, de alegria: 

- Vai, minha mulata. És livre.

Quando ouvires dizer que DoNaNa JANSEN é má, diz que não é tanto quanto se pensa...


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