terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Eu, a rua do Sol..., um texto de Mhario Lincoln

FACETUBES

Brasil / MEMÓRIAS MARANHENSES

Eu, a rua do Sol, Agostinho Marques Neto e Bartolomeu Bueno"

A Ciência do Direito: conceito, objeto, método", livro de Agostinho Marques.

30/01/2023 

Por: Mhario Lincoln Fonte: Mhario Lincoln / Agostinho Marques


*Mhario Lincoln


A primeira porta que usei para subir um patamar acima da minha normalidade foi a da Faculdade de Direito. Isso, no começo dos anos 70. Um imenso orgulho de estudar no belo prédio da rua do Sol, em frente ao Teatro Arthur Azevêdo, onde funcionava um dos mais antigos Cursos de Direito do Brasil,  em São Luís-Ma.

O primeiro impacto foi cruzar, diariamente, com os eméritos catedráticos, Tácito Caldas, Dionisio Nunes, Edomir Martins de Oliveira, Alberto Tavares e Mário Santos, meu tio. Deste, ouvi: "orgulhe-se de estar aqui,  porque esta Faculdade de Direito nasceu adulta, com os ares de Coimbra".

Sim, eu tinha conhecimento disso. Principalmente porque desde sua fundação, sempre elencou professores ilustres, como Henrique Couto, Luiz de Carvalho, Viana Vaz, Clodomir Cardoso, Henrique Costa Fernandes, Alfredo de Assis, Godofredo Viana, Rubem Almeida, Antonio Lopes, Antenor Bogea, Públio de Melo, Orlando Leite, Acrisio Rebelo,  José Oliveira, João Itapary e outros cavaleiros da távola da deusa Themis.

E não foi tão fácil chegar na Faculdade. Só aceitei fazer o vestibular após alguns carões de meu pai, advogado José Santos. Na verdade, a ideia era continuar como músico, tocando nos bailes e em auditórios colegiais. Uma vida de muita vibração e empatia.

Porém, obrigado, fiz o vestibular e logrei aprovação. Mas, o melhor estava por vir.  Ao colocar os pés naquele cenário deslumbrante - o da Faculdade de Direito da rua do Sol - em meu primeiro dia de acadêmico, com 19 anos, tudo mudou.

A Faculdade, naquele prédio,  me envolveu de tal forma que, se o mármore da soleira da entrada principal fosse menos maciço, teria esculpido meu nome lá. Tudo foi impactante para meus valores de então.

Porém, não fiquei muito tempo naquele prédio porque, no ano seguinte, todo o Curso de Direito foi transferido para o recém-inaugurado Campus do Bacanga. Por um lado, decepção. Por outro, algo surpreendente aconteceu: foi no campus que assisti à primeira aula do professor Agostinho Marques Neto, onde tive acesso a um mundo bem diferente. A mim, foi-me apresentado Immanuel Kant, invés de Elvis Presley. Com uma dose de mágica: as aulas eram interessantes pela maneira hábil, sóbria e elegante do mestre Agostinho ensinar. 

Nesse período, foquei nessa disciplina, onde pude dar ênfase para o seu conceito, objeto e método da ciência do Direito, analisando-os através dos princípios teóricos e metodológicos, presentes na elaboração do conhecimento cientifico de um modo geral.

Depois, veio o livro de Agostinho - "A Ciência do Direito: conceito, objeto, método". Lio-o com fome de Diógenes, procurando algo de verdade.  Foi exatamente aí que a figura do autor mostrou "as promessas do talento, que, desde a sua dissertação de mestrado, na PUC-Rio, já indicava o rumo duma vocação para os estudos sociológico-filosófico-juridicos", ressaltado por Roberto Lyra Filho, diplomado em Cambridge (Letras) e, depois, no Rio de Janeiro, em Direito.

Mais à frente, escreve no prefácio, o mesmo Lyra ao referir-se especificamente a Agostinho Marques: "(...) No caso deste jovem professor maranhense, la valeur n'attend pas le nombre des années; (o valor não espera o número de anos), e isto, com tudo o que denota e conota o termo "valeur", no amálgama de caráter e inteligência, desassombro e lucidez (...)".

Claro e óbvio que quando se fala de ciência do Direito, é imediatamente marcado um encontro real com a filosofia desse prussiano invejável chamado Kant, considerado o filósofo da era moderna. Kant operou, na epistemologia, uma síntese entre o racionalismo continental e a tradição empírica inglesa. Realmente de tirar o fôlego tais intervenções.

Destarte, o tema me foi tão eficiente que, além de tirar notas razoáveis na matéria, ainda fui marcado pelo ferrete em brasa, imprimindo sede maior de aprendizado. A partir daí, muita coisa mudou em meus conceitos pessoais, minha forma de escrever, de encarar desafios, de hermeneutizar a relação básica entre o sujeito e o objeto.

Enfim, a obra imortalizada também na Academia Maranhense de Letras - A Ciência do Direito: conceito, objeto, método - do professor e ilustre amigo Agostinho Ramalho Marques Neto, é sem dúvida minha bússola salvadora, desde a época em que eu insistia em dobrar o Cabo das Tormentas, sem a sorte e habilidade do navegador português  Bartolomeu Dias, que o fez, prima, em 1488.

Permita-me, então, caro leitor, compartilhar a conclusão grafada pelo autor, no livro referido:


CONCLUSÃO ("A Ciência do Direito: conceito, objeto, método").

Agostinho Marques.


A guisa de conclusão, sintetizaremos os mais importantes principios que orientaram a elaboração deste trabalho:

a) O conhecimento sempre resulta da relação entre o sujeito e o objeto, em que o primeiro desses elementos é que toma a iniciativa. Todo conhecimento implica num processo de construção, mediante o qual o objeto de conhecimento tende a identificar-se com o objeto real, sem contudo atingi-lo em sua plenitude. A aproximação entre o objeto de conhecimento e o objeto real não é linear nem continua, visto que se opera através de cortes ou rupturas.

b) Tanto o empirismo quanto o racionalismo, sobretudo em suas formas mals radicals representadas pelo positivismo e pelo idealismo, são insuficientes para explicar a gênese e as caracteristicas da elaboração dos conhecimentos, porque separam os termos da relação cognitiva, privilegiando ora um, ora outro, e assumindo, desse modo, um posicionamento metafísico. As epistemologias dialéticas, abordando o problema do conhe- cimento dentro das condições em que ele efetivamente ocorre na relação sujeito-objeto, é que podem explicar mais eficiente- mente a produção dos conhecimentos, sobretudo os de natureza cientifica.


c) Não se passa diretamente do conhecimento comum para o conhecimento cientifico, através de um simples refina- mento ou sofisticação do primeiro. Esses tipos de conhecimento são de naturezas bem diversas, a tal ponto que o conhecimento cientifico se constitui rompendo com as evidências do senso comum.

d) Ciência é discurso, teoria, que resulta de um processo de construção e retificação de conceitos. Por isso, todas as teorias científicas contêm um conhecimento apenas aproxi- mado, retificável, em parte verdade e em parte erro. A matu- ridade de uma ciência é tanto maior quanto mais ela questiona seus princípios e proposições, submetendo-os a uma crítica in- cessante. Não existe a ciência, mas ciências concretas, especí- ficas, que no entanto possuem pontos comuns, aos quais podemos chegar por abstração.

e) As ciências, tanto em sua elaboração teórica quanto em suas aplicações técnicas, não estão absolutamente isentas da influência da ideologia dominante na sociedade. O cientista não pode nem deve ser completamente neutro, pois a prática teórica já implica em um engajamento, em função de uma opção não despojada de conteúdo axiológico. O que se lhe exige é que não manipule seu objeto de estudo para amoldá-lo aos seus preconceitos e convicções subjetivas.

f) A classificação das ciências se faz muito mais com base em seus enfoques teóricos e nos problemas específicos que elas se propõem, do que em relação ao objeto. O objeto real, em si mesmo, não constitui critério seguro para qualquer classificação, podendo em princípio ser abordado por diversas disciplinas científicas. Estas é que constroem, a partir de suas preocupações teóricas peculiares, o objeto científico, ou seja, o objeto de conhecimento sobre o qual se realizam as investi- gações.

g) Não há um método único, que por si mesmo garanta a cientificidade de qualquer proposição teórica. O método é construído em função da teoria direcionadora da pesquisa, do problema formulado e da natureza do objeto de conhecimento. Cabe ao cientista elaborar o método que lhe pareça mais ade- quado a cada pesquisa concreta, cuja validade só pode ser determinada dentro de uma visão retrospectiva. Há pontos comuns, usuais, no percurso metodológico, mas eles não podem ser considerados como regras fixas, a serem rigorosamente observadas em qualquer investigação científica.

h) O conhecimento das características do espaço-tempo é fundamental em qualquer atividade científica, porque os fenô- menos são interiores às condições espaço-temporais localizadas. Não há ciência a-histórica, que se processe fora da realidade concreta da sociedade.

i) A ciência do Direito, como qualquer outra, decorre de um trabalho de construção da teoria, do método, do objeto etc. Por isso, suas proposições nunca são absolutas, mas aproxi- madas e retificáveis.

j) O fenômeno juridico é interior ao espaço-tempo social, onde surge e se modifica por diferenciação das relações. Em razão de seu caráter eminentemente n-dimensional, ele jamais. pode ser encontrado em estado puro. A ciência do Direito o constrói como objeto científico, a partir dos seus enfoques teórico-problemáticos específicos. Para formular proposições de cunho integral sobre seu objeto, a ciência jurídica não pode prescindir da colaboração de outras disciplinas sociais, numa perspectiva interdisciplinar.

1) O método jurídico faz parte do processo de elaboração teórica, e sua validade não pode ser estabelecida a priori, mas sempre em função da natureza de cada pesquisa concreta.

m) A ciência do Direito se aplica normativamente, mas não é ciência normativa, pois não existe tal tipo de ciência. As normas constituem o momento técnico, prático, da elaboração jurídico-científica. Elas não devem traduzir simplesmente o arbítrio do poder estatal, ou a vontade do legislador, mas sim consagrar os valores e aspirações do corpo social, à luz dos resultados da ciência jurídica. É através do confronto com a realidade social que se pode determinar a eficácia das normas jurídicas.

n) Tanto as correntes empiristas como as idealistas, que tentam explicar a natureza do Direito, se caracterizam por um posicionamento essencialmente dogmático no trato do proble ma juridico. Esse dogmatismo apresenta um triplice aspecto, conforme se concentre na norma, no valor, ou no fato. As proposições de tais correntes constituem verdadeiros obstáculos epistemológicos ao estudo cientifico do Direito, só podendo ser superados através de um enfoque dialético mediante o qual se aborde o Direito dentro de suas condições concretas de exis- tência, numa perspectiva engajada e libertadora.

o) O papel da Filosofia do Direito consiste em dinamizar e dar vida à ciência jurídica, partindo das proposições que esta aceita como verdadeiras e submetendo-as a uma crítica per- manente que ponha em xeque os fins e o sentido do Direito, dentro dos objetivos de uma justiça social concreta e efetiva, que se realize em condições de igualdade e liberdade dos cida- dãos.

p) O ensino juridico precisa procurar libertar-se, para- lelamente à ciência do Direito, de toda uma carga dogmática que o aliena. Para tanto, há que voltar-se para o objetivo fundamental da educação, que é a formação de uma consciên- cia livre e crítica que possibilite ao jurista participar ativamente do processo de desenvolvimento integral, comprometendo-se com as realidades e aspirações da sociedade e lutando pela construção de um mundo livre e igualitário, onde reinem a justiça e a paz.

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SERVIÇO

Estudo critico sobre a ciência do Direito, com ênfase para o seu conceito, objeto e método. No Capitulo I, é estudado o processo de formação do conhecimento, criticando as principais correntes empiristas e racionalistas que tentam explicar a gênese do ato cognitivo, com posicionamento favorável às proposições das epistemologias dialéticas, que constituem o referencial de todo o trabalho. No Capítulo II, são discutidas as linhas gerais que norteiam a elaboração do conhecimento cientifico, tanto em seus aspectos teóricos e metodológicos quanto técnicos. O Capitulo III, trata das ciências sociais, onde são discutidoa critérios para a classificação das disciplinas científicas, além de estudo das características gerais do espaço-tempo e da matéria social. O Capitulo IV versa sobre a ciência do Direito no que concerne à sua elaboração teórica, ao seu objeto e ao seu método; são criticadas as proposições fundamentais das principais escolas doutrinárias idealistas e empiristas, além de uma abordagem dialética do Direito, considerando-o em seus aspectos científicos e filosóficos, e questionando o atual sistema de ensino juridico. Por fim, são apresentadas as conclusões, que consistem numa sintese dos aspectos mais importantes discutidos no trabalho.

Capa: Jorge A. M. da Silva


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