Cidades / IN MEMORIAM
Inesquecível será a memória de um dos maiores médicos da história do Maranhão: Dr. Damasceno Figueiredo
O texto, lido na Missa de Sétimo Dia, é do filho, médico Ivan Figueiredo, que gentilmente o cedeu para a publicação do Facetubes.
14/06/2023
Por: Mhario Lincoln / Fonte: Dr. Damasceno Figueiredo/Ivan Figueiredo
Publicação original do FACETUBES
Dr. Damasceno Figueiredo: permanecerá imortal na memória do Maranhão como uma das figuras médicas mais queridas por todos
* Dr. Ivan Figueiredo.
Saudades
Ele já estava restrito ao leito, suas forças decaindo a cada dia. Restava ainda o aperto forte de sua mão na minha, como um pedido de quero mais de minha presença e companhia. Restava também seu olhar para mim, inconfundível, inesquecível, com um quê de devoção. Por obra das oscilações de oxigenação cerebral, ele me deu uma última lição, um último presente, ao perguntar quem estava também no centro cirúrgico para operar.
Voltei num segundo aos anos 60 e 70, papai em sua roupa branca cheirando a éter nos corredores do Hospital Dutra, do Centro Médico, do Hospital Português. Roupa, diga-se de passagem, de um branco imaculado, escrupulosamente passada a ferro nos tempos das engomadeiras, com aqueles vincos característicos e a consistência enrijecida dos tecidos pelo efeito da mistura de tapioca de goma com o calor do ferro elétrico.
Ei-lo ali forte, no seu elemento, com aquela camaradagem típica dos cirurgiões em que os anestesistas não deixavam de fazer suas participações especiais. Nessa volta ao passado imaginado porque vivido com intensidade, uma lição de amor à profissão que compartilhamos como missão de vida. Tentei encompridar a conversa com a curiosidade de saber a qual dos amigos se referia, ele sendo o último de uma geração de pioneiros a nos deixar.
Ele escolheu a ortopedia, eu optei pela dermatologia e pela clínica. Deixou-me livre para escolher a especialidade que eu quisesse, nunca insinuou que eu teria que imitar seus passos a esse ponto. Desconfio que seu compromisso com meu bem-estar o impediu de me pressionar nesse sentido. Em minhas inseguranças, dizia para mim que eu não somente iria conseguir me sair bem, mas que iria brilhar, como quando estava às vésperas de partir para o internato no Rio de Janeiro e me julgava aquém dos estudantes com quem dividiria o espaço do hospital de treinamento.
Um dia ele me falou que percebia uma perda de agilidade nas mãos, trazida pela idade, e resolveu ir se afastando das cirurgias que demandavam mais sintonia fina nos procedimentos. Não atinei então com a dor dessa renúncia para um exímio ortopedista, com centenas de histórias de doentes recuperados por sua maestria, mas entendi perfeitamente a lição contida em sua frase “é preciso saber o momento de ir embora, sair com elegância e classe”. Coisa que estou em processo de aprendizado prático.
De outra feita, ao ser questionada minha qualidade profissional, me afirmou que certas críticas não são vencidas com argumentos contrários ditados pela indignação, mas com a qualidade do nosso trabalho. Que minha parte era fazer bem minhas tarefas, com cuidado e carinho, e deste modo desacreditar quem me acusasse de viver à sua sombra e me aproveitando das conexões que seu nome e posição me proporcionavam.
Em sua longa vida coube a transição em que a ênfase mudou do eu ser “o filho do Dr. Damasceno” para ele se tornar “o pai do Dr. Ivan”, coisa que afirmava com um orgulho imenso. Fez parte de uma geração de pioneiros que fundou o primeiro curso de Medicina do Maranhão, gigantes dos quais alguns, como ele, ainda foram professores da minha geração.
Havia uma sabedoria nele, uma calma, uma classe inimitáveis. Às vezes dizem que herdei uma pequena parte que seja dessas características, o que me alegra demais, até envaidece. Em sua generosidade, ele dizia que eu o ultrapassaria, como se tal fosse possível.
A saudade de papai dói agudamente agora, amenizada por um turbilhão de lembranças e pela frase repetida tantas vezes por ele para mim, dizendo que eu me tornara seu pai. Coisas da força de se ser filho e médico. Porque seu exemplo sempre foi e continuará a ser inspirador, para mim e para tantos.
Segui de fato seus passos, vivi e ainda vivo à sua sombra acalentadora e protetora. Porque partilhamos a mesma profissão e também a função de professor. Recebemos a chance de impactar gerações com nossas vidas e arte. E nessa estrada papai sempre vai estar presente, trazido dentro de mim em meus melhores momentos. Porque todas as vezes que seu brilho cintilar em algo que eu fizer, trata-se de mais um empréstimo generoso de sua parte. Como tantos que tenho recebido ao longo de minha existência. Muito bom ser médico. Muito bom ser médico filho de médico.
Gratidão infinita por sua vida e exemplos.
*Ivan Abreu Figueiredo - Médico e autor do texto.


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