Luciano Alberto de Castro*
A relação do homem com os pombos é bíblica. Segundo o Gênesis, o velho Noé teria soltado uma pomba — por três vezes — pra saber se as águas do dilúvio estavam baixando. A informação alvissareira viria no segundo voo, quando a pomba teria regressado à arca trazendo no bico uma folha de oliveira. No terceiro voo, a ave não mais retornou, indicando que o cataclismo estava, de fato, retrocedendo. Com isso, Noé pôde ancorar seu barco e devolver os homens e animais à face da Terra. O relato das escrituras demonstra que, além de viver perto do homem, os pombos lhe eram úteis — especialmente como mensageiros, papel que foi posteriormente aprimorado com os famosos pombos-correios.
Já a relação deste escriba com os pombos nunca foi próxima, muito menos amigável. Nem a história do dilúvio, nem as habilidades dos pombos-correios, nem mesmo o fato da pomba branca ser símbolo da paz conseguem amenizar a minha aversão. Isso é curioso porque eu sou um sujeito apaixonado pelos passarinhos. Gosto também de galinhas, patos, gansos, araras, papagaios, aves marinhas, e até os feiosos urubus me são simpáticos; mas com o tal do pombo não me dou de jeito nenhum. Não sei de onde veio essa antipatia, mas parece que ela não é só minha. Quase ninguém gosta de pombo, tido como uma praga urbana.
Realmente, os bichos estão disseminados por toda parte — tanto na terra como no céu. Cruzo com eles pelas calçadas, caminhando naquele passinho desengonçado. Vejo-os nos parques (aos bandos), nas praças, nos muros, nos edifícios e nos ares.
Há algumas semanas, um casal de pombos resolveu fazer morada no meu telhado, certamente com intenção de procriar e constituir família. Até aí, menos mal. Acontece que, logo abaixo do beiral, a condensadora do ar condicionado passou a lhes servir como área de lazer. Ali passavam boa parte do dia se derramando em afagos, arrulhos e profusas defecações. Pronto: minha sacada, onde tenho uma rede do Norte — refúgio pra leitura e contemplação — tornara-se ambiente insalubre.
Não estou exagerando. As potentes cloacas do casalzinho apaixonado espalharam excremento pelas paredes, pelo piso, pelo parapeito, pelas plantas da floreira e pelos punhos da rede. Uma loucura. Eu sabia que as fezes dos pombos são perigosas, pois usualmente estão contaminadas por fungos e outros micróbios que — se inalados — podem nos causar doenças graves. Não tive outra saída senão isolar o local. Deixei-o provisoriamente entregue aos columbídeos até conseguir um jeito de me livrar deles e reconquistar o território.
Contatei, via WhatsApp, uma empresa especializada que ficou de enviar um técnico pra avaliar o problema e passar o orçamento. Aguardei mais de uma semana e nada. Os bichos se tornaram senhores do lugar. Via-os pela vidraça, agora não apenas na condensadora, mas passeando pelo parapeito e ciscando na floreira. O pior era aquele arrulhar sinistro que me dava nos nervos. Nisso, fui sendo tomado por ideias “pombicidas”. Comecei a pensar em eu mesmo dar cabo dos invasores. Já não queria apenas afugentá-los, mas matá-los. Arquitetei planos sórdidos. Imaginei as armas que usaria: espingarda de pressão, estilingue, veneno, visgo.
Felizmente esse desvario passou. Primeiro, porque vi que meu ato seria uma contravenção: mesmo não sendo aves nativas, os pombos são protegidos por lei. Mas, além do senso jurídico, penso que eu tenha tido uma orientação do além. Suspeito que Noé tenha me aparecido em sonho e me advertido “que ideias cruéis são essas, meu filho? Os pombos são aves de Deus”. Voltei à racionalidade. Insisti com a empresa. Liguei pra eles. Disse-lhes algumas palavras rudes e funcionou. Vieram, aplicaram um repelente e os bichos sumiram do telhado. Depois, mandei construir uma armação com tela para a condensadora. Com essas medidas, desapareceram completamente, tal qual a pomba de Noé no seu terceiro voo.
Retomado o meu reduto, encontro-me agora na minha rede tocantina degustando um clássico de John Steinbeck: Ratos e Homens. Tiro os olhos do livro e penso na insanidade que eu estava planejando cometer. Continuo não gostando de pombos, acho-os estranhos e nocivos. Mas fomos nós que os trouxemos para as cidades. Nós construímos prédios onde eles fazem seus ninhos. Nós os alimentamos com nossas migalhas e nosso lixo. Então, que nós encontremos medidas eficazes e sensatas para controlar a proliferação deles. Não será fácil. Penso que, nas cidades, ainda conviverão por muito tempo ratos, homens e pombos.
*Luciano Alberto de Castro é escritor
(Texto publicado originalmente no portal Aredação, de Goiânia)

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.