quinta-feira, 20 de março de 2025

Até onde o mental aguenta, quando se dá um passo atrás para retomar com mais força à frente de batalha? Por Mhario Lincoln, poeta e escritor


Até onde o mental aguenta, quando se dá um passo atrás para retomar com mais força à frente de batalha?


Por: Mhario Lincoln

19/03/2025


*Mhario Lincoln

*****

Eu e Hélcio Silva somos amigos de longas datas. Convivemos aqui em Curitiba por mais de 10 anos, antes dele voltar para São Luís do Maranhão. Ele me incentivou muito quando comecei meu projeto primeiro nas Plataformas das Redes Sociais, em 2004. Tanto que ele mesmo era comentarista político (com programa na nossa iTV do "Portal Aqui Brasil", berço originário da Plataforma do Facetubes.

Vez por outra falávamos de poesia. Ele sempre escreveu ao estilo de poesias mediúnicas, influenciado por entidades liagadas ao movimento afro-religioso. Em muitas reuniões, entendia o que essa alma inquieta e olhar penetrante, poderia produzir. Sempre achava que ele não falava. Mas buscava lá no fundo, as palavras que emergiam das profundezas de um coração, ora apaixonado, ora preocupado, ora vislumbrante.


Passaram-se os anos e seus poemas - como o que analiso agora - se apresentam ainda, alguma desesperança frente à morte do direito e a solidão de uma liberdade fugidia. Porém, tais temas, tão dolorosamente humanos, evocam reflexões que devem permear o filosófico e o religioso, convidando-nos a mergulhar no íntimo da condição humana:

“Paraste?...
Sim, o sistema é forte...
É pesado...
O direito morreu,
Não mais o encontrarei...
A liberdade fugiu,
E se perdeu...
Parei...
Não mais resisto!
Nem mais existo...”

Logo de início, “Paraste?...” surge como uma sugestão que rasga o silêncio. O ato de parar não é meramente cessar movimento, mas revela a hesitação de uma alma que contempla o abismo. O sujeito poético vislumbra a vastidão de um mundo onde leis impiedosas, além das normas sociais, sufocam o sonho. Ao afirmar que o sistema é forte e pesado, expõe uma estrutura intransponível que nos rege, algo que Søren Kierkegaard também desvendou ao sondar a angústia existencial e a necessidade de transcendência. 


No verso em que se diz que o direito morreu, percebemos a dor de quem assiste à derrubada dos ideais humanos diante de um verdadeiro caótico. Simone Weil, filósofa e mística francesa, compreendeu as injustiças do mundo como um chamado à compaixão e ao enfrentamento da verdade superior que tanto tememos. Quando Hélcio Silva confessa que a liberdade fugiu e se perdeu, a desolação atinge o ápice, pois mostra que, mesmo antes de desfrutarmos desse bem supremo, ele nos escapa como névoa.


O poeta então admite que parou! Não vai mais resistir. Tal declaração me abalou, claro, por conhecê-lo em sua arena de luta constante que o levou à Câmara Municipal de São Luís por muitos anos. Por isso, não acredito no esgotamento do velho guerreiro que, agora, brilha com sua cabeça branca musculosamente experiente de  quem se envolveu contra as  forças que excederam sua compreensão. 
Ao dizer “nem mais existo”, a poética dele parece proclamar uma possível descrença no futuro da segurança humana e da justiça dos tribunais. Porém, como as águias, ele deve apenas ter se recolhido às alturas, para renovar as penas, as garras e o bico, para, logo, aparecer, como um condor, aparecer revoando os picos da renhida luta hercúlea.


Aliás, neste poema, mesmo com essas incertezas normais, antevejo uma volta triunfante e a replantação da semente de uma nova compreensão do divino e do humano. E ele vai continuar sua lide, sim, porque, entremeado de palavras febris, há suspiros reais de filosofia e fé que se entrelaçam, iluminando a fragilidade humana e reconstituindo a célula em busca de uma resignificação para sua própria existência neste estágio de vida. 


Isso me faz enxergar nessa confissão poética, quase catarse,  uma potência singular, pois apenas quem ousa encarar o vazio pode encontrar, na própria hesitação, a possibilidade de em um passo seguinte, encontrar a realidade mais plena. 
Esse é o meu veredito. Ave, Helcio!

*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.

******* 

Foto: Mhario Lincoln e Helcio Silva, na Rua XV, em Curitiba






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.

Busca