segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

"Engenho da Vida"

Por José de Oliveira Ramos

(zeoliveira43ramos@gmail.com)

(Texto publicado também no Acervo de Mhário Lincoln)  

Engenho da vida


Engenho Central construído pelos ingleses foi o coração de Pindaré-Mirim até 1910

Tem coisas na vida que a gente precisa contar. Contar bem direitinho para que pessoas da geração atual consigam compreender e fiquem registradas para os que ficarão e até para os que um dia virão. Brincando, eu diria até que, imitando os atuais, “tem coisas que a gente precisa até desenhar”.
Faz muito tempo que os filmes americanos mostravam aquelas confusões todas, quando, no faroeste estavam sendo construídas ferrovias, cidades e outros, para impulsionar o desenvolvimento. Aquela balbúrdia desorganizada (perdoem a redundância, mas ela é necessária, aqui) aparentando um descontrole total nas ações do trabalho.

Imagine um porto sem a estrutura mecanizada de hoje, com estivadores se atropelando (eles ganhavam por volumes carregados), se encontrando em meio às necessidades de descarregar trens, botes e navios e carregar outros tantos.
Os locais cobertos pela fumaça, animais transportando cargas e aquela barafunda que, para alguns, significava “desenvolvimento” na produção de alimentos e na forma de resolver muitas coisas. Como se fazia antigamente.
Assim, hoje, escolhemos falar não dessa desorganização de trabalhadores. Queremos falar da importância que teve para o Maranhão, nos áureos tempos, o Engenho Central, local onde a vida era impulsionada como se fora a artéria aorta dos seres humanos.
Pois, conforme dados encontrados em pesquisa, o Engenho Central de Pindaré-Mirim foi “criado” em 1880, através do Decreto-Lei 7.811 do dia 31 de agosto daquele ano. Foi construído à margem do rio Pindaré num terreno que, antes, pertencera à Colônia de São Pedro, naqueles anos habitada pelos índios Guajajaras. O Engenho Central também era conhecido como Companhia Progresso Agrícola.
O projeto e comando da obra estiveram a cargo do técnico inglês Robert Collond, que, na época trabalhava para a empresa inglesa Fawcet Preston & Cia., que fixou também em solo maranhense os trilhos da primeira ferrovia do Estado, o que auxiliaria no transporte dos produtos beneficiados no Engenho – que receberia posterior apoio da navegação fluvial via rio Pindaré.
Todo o maquinário e aparelhagem necessários à instalação e funcionamento do Engenho Central foram importados da Inglaterra pela quantia de 28$000 réis.
Em 1888, ainda por iniciativa da mesma empresa, foi instalado em Pindaré-Mirim o sistema de iluminação elétrica, conferindo ao município um pioneirismo no gênero em todo o Brasil - pois, somente em 1892 foi que a cidade fluminense de Campos foi dotada de energia elétrica.
O Engenho Central, um dos melhores do Brasil, possuía 500 carros de boi, 35 carroças, cerca de 50 casas de madeira, três léguas de terra apta à lavoura e 10 km de via férrea. Hoje, este secular monumento, com sua tradicional chaminé, seus paredões em alvenaria, seu teto laminado sobre custosa estrutura de ferro, é um dos últimos representantes do sistema de engenhos centrais instalados no Brasil durante o Império. Ainda é localizado na Avenida Elias Haickel, esquina com Praça São Pedro, Centro, em Pindaré-Mirim.
Nos dias atuais, fora de atividade há muitos anos, o Engenho Central continua sendo uma referência no município que foi de grande importância para o crescimento da agricultura do Estado e de quase tudo que se dispunha naqueles tempos.

Foi na efervescência dos anos 60, mais precisamente em 1967, que Pindaré-Mirim e por consequência o Engenho Central entrou numa fase decadente na dependência do beneficiamento e exportação dos produtos que ali chegavam (cana-de-açúcar, algodão, arroz, milho e mandioca), quando, no dia 14 de março foi criado o município de Santa Inês, antes conhecido apenas como “Ponta de Linha”, pois era ali que terminava a linha férrea do ramal. Santa Inês foi parte de Pindaré-Mirim.
Com o encerramento das atividades produtivas do Engenho Central, por volta de 1910 , a população de “Ponta da Linha” passou a dedicar-se à cultura de algodão , arroz , milho e mandioca , porém continuou dependendo de Pindaré-Mirim, a quem era subordinada administrativamente e por onde sua produção era escoada.
Muito procurado por famílias nordestinas, que constituem atualmente, com seus descendentes, mais da metade da população local, o povoado cresceu rapidamente, a ponto de, no início da década de 60, tornar-se mais importante, em termos demográficos e econômicos, do que a sede do município a que pertencia.
Hoje, de acordo com o IBGE, pelo censo de 2014, Santa Inês tem 82.680 habitantes, enquanto Pindaré-Mirim conta com apenas 32.236.


 Rio Pindaré (à esquerda, o Engenho Central) fotografado de Monção

Inacreditavelmente, a partir da emancipação de Santa Inês, Pindaré-Mirim – ainda que menos populoso, mas nem menos importante – começou a aproveitar o que o horizonte da vida lhe oferecia. E desabrochou, culturalmente.
Não imagine que o Engenho Central não tem nenhuma relação com a cultura que desabrochou em Pindaré-Mirim. Foi ali, exatamente na área interna desocupada do Engenho Central, que surgiram os primeiros “urros do boi” Mimoso, prosa e magia cultural de Coxinho.

“Lá vem meu boi urrando,
subindo o vaquejador,
deu um urro na porteira,
meu vaqueiro se espantou,
o gado da fazenda
com isso se levantou.
Urrou, urrou, urrou, urrou
meu novilho brasileiro
que a natureza criou...”


Da mesma forma, foi exatamente no dia 10 de fevereiro daquele ano de 1910 – quando o Engenho Central parou de funcionar e beneficiar produtos da agricultura maranhense – que em Pindaré-Mirim nasceu Maria José Camargo Aragão, que se tornaria médica e conhecida Brasil à fora.

A médica Maria Aragão iniciou sua carreira como pediatra , mas fez carreira como ginecologista. Formou-se em medicina pela Universidade do Brasil , do Rio de Janeiro. Sua história tem origem na extrema pobreza, mas ela logo parte em busca da superação da fome, do preconceito (por ser negra e mulher no inicio do seculo passado), da agressão e da perseguição do sonho de ajudar a humanidade. Dotada de um grande senso de liderança, enfrentou as oligarquias políticas, em pleno regime militar na década de 60, e sofreu as perseguições promovidas pela ditadura.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.

Busca