Pelo menos 600 indígenas que vivem na aldeia do Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, podem perder uma área de 72 hectares de seu território devido a uma ordem de reintegração de posse emitida pela Justiça Federal no último dia 26, que está para ser cumprida a qualquer momento pela Polícia Federal. O terreno já foi reconhecido como área tradicional pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e aguarda parecer do Ministério da Justiça e homologação da presidência da república.
O suposto proprietário, o ex-deputado e ex-prefeito
de São Bernardo do Campo Tito Costa, não possui documento de posse da
área em seu nome, apenas no de sua falecida mulher. De acordo com
lideranças indígenas, ele planeja construir um condomínio de luxo no
local.
Atualmente, os guaranis do Jaraguá se aglomeram em
dois terrenos: um de 1,7 hectares (equivalente a dois campos oficiais
de futebol), já homologado pela União como terra indígena, chamada Teko
Utu. A outra área, em frente à primeira, tem 2,6 hectares e ainda em
processo de regularização – ela é chamada pelos moradores de Teko Pyau.
Os índios reivindicam que a área em disputa judicial,
chamada de Teko Itakupe, seja incorporada à terra indígena. "Temos
ocupação tradicional e um relatório de mil páginas da Funai reconhecendo
a área como território originário indígena. O que ocorre hoje é uma
situação complemente inconstitucional: a retirada de indígenas do seu
território original, por uma reintegração de posse movida por um senhor
que não tem o título da terra nem nunca morou aqui", afirma David
Martim, uma das lideranças indígenas.
Apenas nove famílias se mantêm em Teko Itakupe, onde cultivam roçados de batata
doce, cana-de-açúcar guarani e ervas para remédios. Temendo a
reintegração de posse, os indígenas se amontoam na menor e mais adensada
terra indígena do país e no terreno em frente, dividido por uma
avenida. Confinados neste espaço reduzido, eles não têm recursos
naturais para reproduzir seu modo de vida tradicional e ficam
vulneráveis a atropelamentos, à violência e ao alcoolismo.
"Muitas famílias querem vir para Teko Itakupe, mas
têm medo. Sempre entrava muita gente armada aqui, para amedrontar",
afirma Martim. "Como manter a cultura indígena em uma área menor que
duas quadras?", diz. "Não temos espaço para plantar milho, mandioca,
batata e outros alimentos tradicionais para os guaranis. É a única área
que temos para morar aqui. Nós não vamos sair.”
O suposto proprietário do terreno alega no processo
judicial que não se tratam de indígenas, mas sim de sem-teto, que teriam
ocupado a área. "Saíram do acampamento onde vivem e se instalaram na
área do recorrente, por mero capricho, em caráter provisório, há menos
de ano e dia, onde nada produzem", diz o processo. "Tais invasores, às
vezes ridiculamente fantasiados com cabeça de vaca, arco e flecha, para
intimidar eventuais pessoas que se aproximem (...) nada produzem no
espaço invadido, ao qual chegaram agora, e nunca fora tradicionalmente
ocupado com atividade produtiva."
A reintegração de posse foi determinada no último dia
26 pelo desembargador Antonio Cedenho, antes do julgamento da juíza
federal responsável pelo caso, Leila Morrison. Para tentar reverter a decisão, a Advocacia Geral da
União, representando a Funai, acionou o Tribunal Regional Federal para
pedir suspensão da medida, na última sexta-feira (3). O processo deverá
ser julgado pelo presidente do Tribunal, Fábio Prieto, o que deve
ocorrer nos próximos dias. Os índios farão um ato nesta semana, em
frente ao Tribunal, para reivindicar a suspensão da medida.
A comunidade Guarani do Jaraguá lançou uma campanha
pedindo a suspensão da ordem de reintegração de posse que conta com duas
petições online: uma pedindo para que Tito Costa retire o processo
contra a comunidade; e outra pedindo que a Justiça Federal suspenda a
ordem de reintegração.
"Não queremos terra para ganhar dinheiro, mas para
criar nossos filhos, segundo nossas tradições. Com terra grande podemos
caçar, pescar, plantar roça e ervas para remédios. Aqui falta espaço até
para fazer casa", afirma o pajé Bastião Borges, de 63 anos, que há 30
mora na comunidade.
"O Judiciário está tirando o futuro de mais de quatrocentas crianças indígenas. O senhor Tito Costa está usando sua força política para roubar nossa dignidade, que é nossa terra, que é onde aprendemos e ensinamos", afirma a liderança Tiago Henrique Vila.
O pico do Jaraguá é um elemento importante na cultura
indígena. Chamado de "pedra reluzente" e conhecido para um local
sagrado, ele era um ponto de referência nas tradicionais migrações
guarani, sempre em busca de uma terra sagrada. "Quando saímos para fazer
caça, fazemos uma reza e pedimos permissão para entrar na mata. Antes
de comer também fazemos um ritual, com a presença dos líderes
espirituais, e depois dividimos tudo. Não conseguimos mais fazer isso
aqui", lamenta Martim. "Nosso objetivo é ajudar no reflorestamento e
plantar árvores nativas. Hoje se sabe que a mata atlântica só é tão rica
porque historicamente os guaranis sempre fizeram mudas e plantaram."
O terreno já sofreu uma reintegração de posse em
2005, decretada pela Justiça estadual e realizada pela Polícia Militar
paulista. Para impedir que os índios retomassem a área, Tito Costa
enviou posseiros ao local, que depois foram vítimas de uma segunda
reintegração de posse, requerida por ele próprio, em 2014. "Nós voltamos
porque é uma terra sagrada para a gente. Vivemos uma luta para proteger
essa área. Se o caso tivesse sido julgado, não teria como este juruá
(homem branco) ter vencido a causa", lamenta Martim. "O cacique daqui é
um senhor de muita idade. A gente sabe que se ele sair não volta mais.
Vão construir o condomínio rapidinho e a gente não voltará mais para
cá."
Martim critica a "omissão" do Ministério da Justiça
no caso. Dilma foi a presidenta que menos homologou terras indígenas
entre 1995 e 2014. Foram apenas 11, nos estados do Pará e Amazonas,
contra 79 nos oito anos de governo Lula e 145 na gestão de Fernando
Henrique Cardoso. "A omissão do Ministério da Justiça tem intensificado
os conflitos e comunidades inteiras estão sofrendo reintegrações de
posse. No Mato Grosso do Sul todo dia morre uma liderança Guarani Kaiowá
por conflitos com a terra. Existe uma força grande do agronegócio na
política, que domina quase 60% do Congresso e faz com que o governo
atenda a seus interesses. Eles querem o fim da demarcação de terras
indígenas e a remoção dos índios para qualquer lugar, visando seus
territórios."
Extraído do site do CIMI (http://www.cimi.org.br)
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