Olho para Curitiba (PR) onde moro hoje e me lembro de quando
cheguei aqui há 11 anos com aquela ideia nordestina de que a capital do Paraná
era realmente um Eldorado. Isso porque fui convencido pelo então ex-prefeito,
depois governador, urbanista Jaime Lerner, através da vasta propaganda de TV,
rádio e jornal que Curitiba era o novo Eldorado brasileiro.
O tempo passou e hoje sinto nas veias o que Curitiba se
transformou, mesmo que, ainda, seja uma cidade superinteressante e muito bem
urbanizada. Paramos aí! Mas se compararmos inúmeras outras capitais brasileiras
(falo somente das capitais) a história vai se tornando triste e sinistra ao
mesmo tempo.
E de quem é a culpa? Não entro nos detalhes políticos. Quero
discutir aqui, nestas minhas poucas linhas, a questão humana e social. E são
exatamente esses arcabouços não tão complexos que muitos dos atuais prefeitos
não se alinhavam. Por isso o título. Seria por displicência, incompetência ou
Descoragem (pós-campanha eleitoral e encarando a realidade nua e crua da
cidade?).
Imagina-se ser o Brasil um país rico. Bilionário, a começar
pelo espírito de seu povo e pela subserviência da sua maioria eleitoral. Mesmo
assim (e por causa disso), os dirigentes municipais se acercam de projetos
inacabados e ilusões de ótica para mostrarem a essa parcela subserviente, ora,
que falta dinheiro para investimento, ora porque planejam bem e demoradamente
para construírem algo definitivo para a melhoria do povo.
Balela! Quem quer faz. Com pouco dinheiro faz. E esse pouco
é muito, se analisarmos taxas e impostos municipais, verbas federais etc.,
recebidas mensalmente. Pois bem. Agora eu pergunto: Por que lá fora costuma ser
diferente?
Exemplo maior está vindo agora da cidade de Barcelona, na
Espanha, cuja população da região briga, inclusive, para se separar dos mandos
do Rei. Navegando no Youtube, vi um discurso de um dos candidatos à Prefeitura
de Barcelona. E esse foi um dos motivos para escrever este texto. Atitudes como
vou relatar abaixo, talvez tenham origem na formação sócio-humana das pessoas
daquele lado do Mundo, que incidam em decisões como essas, as quais cito agora,
através das palavras da jornalista Mariana Bastos, publicada na revista Carta
Capital.
“Eu ia embora caminhando para pegar meu filho no colégio
depois da entrevista, e o jornalista me disse: ‘Vou te acompanhar. Você não
pode ir sozinha. Alguém pode te atacar’”, contou entre risadas Ada Colau,
(foto) a recém-eleita prefeita de Barcelona, em um comício. “Disse que não
queria sua companhia. Quero fazer política de forma diferente, poder caminhar
na rua como prefeita, buscar meu filho no colégio. ”
A anedota revelada durante a campanha é apenas um exemplo
entre tantos do que Colau e a coalizão da qual faz parte, a Barcelona en Comú,
pretendem: uma nova forma de fazer política que sirva de referência para o mundo.
A cidade, que nas últimas décadas apresentou-se como um
modelo urbanístico a ser seguido, sobretudo por aquelas interessadas em sediar
os Jogos Olímpicos (incluindo o Rio de Janeiro), foi também fortemente afetada
pela crise econômica. A retração da economia iniciada em 2008 deixou um rastro
de despejos, altas taxas de desemprego da população jovem e aumento da
desigualdade social. Nos últimos quatro anos, a diferença de renda entre os 10%
mais ricos e os 10% mais pobres da cidade cresceu 40%.
Segundo ela, a cidade tem condições para mudar essa situação
e pode ser exemplo de governar com cidadania. “Em Barcelona, temos um tecido
social militante e organizado acima da média de outras cidades e esse é nosso
maior tesouro”, afirma. “Se você consegue liderar um projeto coletivo no qual
todos contribuem com um grão de areia, você tem a garantia de êxito”.
O programa de governo do Barcelona em Comú indica que a
proposta pode ter efeito. A plataforma foi costurada nos últimos sete meses
contando com ampla participação popular, sobretudo das associações de bairro e
de representantes de movimentos sociais (imigrantes, LGBTs, feministas, entre
outros). A forma de organização do Barcelona em Comú foi marcada pela
horizontalidade, compondo uma rede. Tudo para atender os anseios de uma
juventude que reivindica participação política.
Entre as propostas da coalizão e da nova “alcaldessa” estão
o banimento dos carros oficiais para autoridades e um teto salarial de 2,2 mil
euros líquidos (cerca de 7,6 mil reais). O valor é bem inferior ao que ganha o
atual prefeito, Xavier Trias (cerca de 11 mil euros). É baixo até mesmo para os
padrões brasileiros. Fernando Haddad (PT), prefeito de São Paulo, por exemplo,
ganha cerca de 23 mil reais por mês. “Parece pouco, mas mais da metade dos
habitantes de Barcelona vive com menos de mil euros por mês”.
Alçada a grande fenômeno eleitoral da Espanha no domingo 24,
do mês passado, a jovem política de apenas 41 anos é o símbolo maior dessa
transformação. Feminista, criada em um bairro de classe média baixa, ex-líder
de uma organização de defesa dos despejados pela hipoteca, militante dedicada
de direitos humanos, Colau tem um perfil que em muito destoa dos engravatados
costumeiramente eleitos para postos governamentais.
Bom, de uma coisa algo se sobressai para, pelo menos,
explicar o inexplicável. Seria, aqui no Brasil, muito mais Displicência ou
Incompetência ou Descoragem ou muitos, mas muitos dos políticos/executivos
sempre, sempre e sempre, invés de misturarem-se aos problemas do povo - ou ao
povo e ir buscar os filhos no colégio ou sentar num banco no meio da praça como
um cidadão que está à serviço do povo e não o inverso – ele faz é contratar
seguranças, comprar carros blindados, aumentar seus próprios salários com
corrupção e propinas, mudar de moradia, trocar a chave da fechadura do coração
e sempre, sempre e sempre, colocam a instituições acima de suas personalidades,
como se a partir de suas eleições, a cidade ou estado ou o país fossem
exclusivamente patrimônios seus, sob suas ordens, sob seus caprichos, sob suas
orientações e ponto final.
É, talvez a formação sócio-humana influencie as cabeças
executivas deste país. Já em Barcelona, outras cabeças também influenciaram a
formação política por lá. Mas de certa forma, bem diferente da nossa. Afinal,
encerro o texto com a declaração da nova prefeita de Barcelona que disse à repórter,
citada no primeiro parágrafo deste texto:
“Nossa campanha tem muito a ver com os processos de
mobilização cidadã dos últimos anos, cujo ápice foi o 15M, no qual as pessoas
saíam às ruas para dizer: ‘essas instituições não nos representam’",
afirma. "E denunciavam que havia uma convivência muito forte entre os
poderes econômicos e os principais partidos [PSOE e PP] que governaram nos
últimos 40 anos. As instituições não estão à altura da sociedade atual. Temos
de atualizá-las, democratizá-las e colocá-las a serviço das pessoas”, afirmou
Colau, que saiu às ruas durante o 15M mesmo tendo um bebê de um mês em casa.
Lá, quando a coisa está errada, mudam. Aqui, presenteiam com
mais 4 anos. Brutal diferença.
Mhario Lincoln, jornalista sênior.
Editor do site www.domeulivro.com.br
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