Em 1972, a Prefeitura de Curitiba fez história ao implantar o primeiro calçadão do Brasil na região central, em plena Rua XV de Novembro, uma das mais movimentadas da cidade. O planejamento inicial previa seis meses para completar a obra. Depois de muitos estudos e uma logística especial, o calçadão virou realidade durante um único fim de semana, com o início das obras numa sexta-feira à noite.
A pressa era justificada. Afinal, a ideia de criar uma rua
exclusiva para pedestres estava na contramão do panorama brasileiro. As
montadoras de veículos consolidavam a presença no país. Os carros de passeio
tornavam-se objetos do desejo para as famílias de classe média e média alta. As
ruas das grandes cidades eram alargadas para contemplar mais veículos.
Viadutos, túneis e elevados eram projetados para garantir velocidade e fluidez
ao tráfego. As cidades passaram a ser pensadas para os carros.
Diante daquele contexto, poderia haver reclamações. O que,
de fato, aconteceu. As principais reações contrárias vinham dos comerciantes
que alegavam que o calçadão espantaria a clientela e levaria à queda nas
vendas. Porém, o planejamento urbano de Curitiba apontava para a humanização
dos espaços públicos e a prefeitura resolveu bancar a aposta. Formado por cinco
quadras da Rua XV de Novembro e pela quadra única da Avenida Luiz Xavier – que,
com pouco mais de 100 metros de extensão, ganhou o apelido de “menor avenida do
mundo” –, o calçadão uniu-se à Praça Osório formando um passeio único.
Os opositores do projeto decidiram protestar de forma
agressiva: planejaram avançar com seus carros sobre o calçadão
recém-construído, na manhã do sábado seguinte, com o intuito de fazer a
administração municipal voltar atrás.
Foi então que surgiu a ideia que iria salvar o calçadão:
Quando a caravana de veículos chegou ao local, lá encontrou centenas de
crianças pintando e desenhando sobre folhas de papel espalhadas pelo chão. Eram
alunos das escolas municipais numa atividade extraclasse, acompanhadas por
professores e monitores.
Diante daquela cena, os motoristas não tiveram outra saída a
não ser dar meia-volta com seus carros. Sem saber, as crianças garantiram a
perpetuação do espaço que acabou batizado de Rua da Flores. Dali em diante,
durante muitos anos, os sábados pela manhã foram marcados pela presença de
crianças pintando, desenhando e brincando.
Além do passeio desenhado em pedras portuguesas (petit
pavé), o calçadão ganhou um mobiliário especial com floreiras, bancos,
luminárias e as coberturas dos equipamentos públicos feitas por domus, em
acrílico roxo, que passaram a identificar a cidade de Curitiba. Não demorou
muito para que o calçadão se transformasse num dos locais preferidos dos
curitibanos, além de concorrido ponto turístico, com seus cafés, confeitarias,
bares, livrarias e lojas de todo tipo. O comércio local foi aquecido, o
trânsito do centro da cidade melhorou e a iniciativa foi copiada por dezenas de
cidades Brasil afora.
Compartilhamento
Quatro décadas depois, Curitiba retoma o caminho que busca
transformar a cidade em um espaço amigável, mais humano. A administração
municipal implantou a primeira Via Calma do Brasil na Avenida Sete de Setembro,
com velocidade máxima para veículos fixada em 30 km por hora, beneficiando
pedestres e ciclistas; e transformou 140 quarteirões do centro da cidade em
Área Calma, onde a velocidade máxima é de 40 km por hora.
A Prefeitura Municipal também implantou sinaleiros com tempo
ampliado de travessia para idosos; instalou placas em Braille nas vias centrais
para facilitar o deslocamento de pessoas com deficiência visual; está ampliando
as vias cicláveis da cidade; instalou pequenas bibliotecas em estações-tubo –
as chamadas tubotecas – e implantou novos parques em áreas afastadas do centro,
beneficiando os moradores dessas regiões. Para completar, planeja a implantação
de novos calçadões nas regionais, descentralizando os benefícios proporcionados
pelas ruas exclusivas para pedestres.
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