No meio da minha existência atribulada parei as atividades
acadêmicas do pão nosso de cada dia, ementas para sala de aula, além de
projetos paralelos que abracei em passinhos dos antigos o resplandecer da
âncora do semeadura, o valor tátil do saber e da sabedoria eternamente
almejada, e assim estacionei devagar o carro com todo cuidado no tempo
físico-cósmico, apesar de ser um tanto agoniada, ás vezes, até
desastrada...contudo, a prática, a coragem e a persistência em melhorar nos
leva a perfeição e a uma condução mais equilibrada desse automóvel que é a
vida.
Como é saborosa também a sensação e a paz daqueles que lhe
reconhecem sua atuação enquanto ser amigo, sem crises de ego e atitudes
reativas quando nem sempre a mão que afaga está para acarinhar, até porque um
“tapinha” não dói se for para evoluir e qualificar a relação, a não ser
naqueles levados pelos dilúvios narcísicos de si mesmo, acabam metendo os pés
pelas mãos, arranhando e muitas vezes matando a essência de um cristal tão precioso
chamado amizade em nome de uma grande tolice. Os rios e o naufrágio de Narciso
é certamente inevitável já nos diz a mitologia grega, bem como o rompimento do
cristal que tanto lhe iluminou. A vida prossegue sem dó, quer mais saúde,
renasce e voa.
O grande desafio para os alfabetizados dos arcanos
universais da sincronia é entender a diacronia do tempo e romper com o ciclo
cármico da repetição, especialmente, da experiência negativa porque o que é bom
vale a pena ver de novo!
Todo esse refletir do cotidiano, seus affaires e conflitos é
para justamente reconhecer o valor imaterial do papel do mestre em nossas
vidas. Mas o que significa isso para você, o mestre? Quem é esse cara ou essa
cara?
Bom, uma vez, depois de uma mesa redonda que participei sobre
“Umbanda na mídia” num evento super cult e libertário chamado Muvuca, uma
professora da comunicação da UFPA me perguntou o que era ser doutor para mim?
Nossa, ela me pegou de surpresa, “caraca , eu ainda estou na lida para isso,
passei por baques dolorosos, interrupções, alguns apedrejamentos daqueles que
apenas sabem da história “oficial” — é quando as máscaras caem e você descobre
quem são os verdadeiros amigos, momento incrível, dói, mas é fundamental — e
retomei o doutorado no NAEA como fênix ressurge das cinzas ao ser aprovada na
seleção”, pensei tudo isso após a pergunta, e então silenciei, pois não tinha
uma resposta objetiva e a profa. do outro lado retribuiu sorrindo.
Hoje penso que ser doutor no âmbito acadêmico nada mais é
que um fechamento de um ciclo de amadurecimento enquanto ser produtor e
transformador do conhecimento, quiçá da sociedade, dependendo da proposta...é
isso, objetivo e claro. Obviamente, um ponto de vista pessoal. Alguns doutores
deslumbrados podem discordar, fiquem a vontade.
Contudo, o mestre que trato transcende mestrado e doutorado,
alguns até possuem essa titulação, mas são poucos que conseguem se desamarrar
dos espelhos dos muros oficiais e populares, logo mestre são todos aqueles que
buscam o caminho que subvertem os refletores do intelectual do movimento A ou Z
ou a liderança religiosa que dogmatizou uma religião não institucional
transformando um grupo espiritual numa seita, não... não é nada disso, percebam
que todas essas facetas que a sociedade faz muitos “comprarem” esses gurus por
simplesmente não romperem com a estrutura que está aí imposta de não questionar
a si mesmo, não trabalhar a relação de afeto, de a todo custo evitar a refletir
sobre valores humanistas, tais como humildade e autonomia ou dar a vez para outro
passar, se estás com o tempo de sobra ou não, por exemplo....
O caminho do autoconhecimento é o combustível para a real
mudança. Afinal o que adiantar levanta a bandeira dos direitos humanos, do
socialismo ou do impeachment da Dilma, se todos continuam vociferando em cima
do seu vizinho, alimentando invídia, julgando e emitindo energias negativas
para aquele/aquela colega de trabalho que está ascendendo por simplesmente
trabalhar um pouco mais...ou ainda se recusa a pedir desculpas por simplesmente
não querer admiti que foi vil ou ser um ingrato da vida. E assim o marxismo científico foi deturpado
para o socialismo real, quem não lembra da ganância e do populismo totalitário
do Stálin; o anarquismo se fez legítimo com o banqueiro anarquista, já deu a letra
Fernando Pessoa e o capitalismo mesmo com o avançar dos direitos, ainda
continua selvagem.
Aqui cito dois seres extraordinários — diga-se de passagem
nenhum dois tem doutorado, para o lamentar dos deslumbrados por títulos e não
por sabedoria — que são Paulo Freire e o indiano, que foi prometido a ser uma
espécie de novo Cristo pela sociedade teosófica, Krishnamurti o qual
sensatamente rompeu com essa organização após uma série de episódios
insustentáveis por seus tutores em lhe converter a mártir, enfim, esses dois
brilhantes seres humanos conseguiram alcançar o que há de mais próximo do que,
de fato, se trata maestria e do ser mestre. Ambos defenderam, combateram e
subverteram a educação tradicional. Mas o que os torna exemplos de mestres? O
que há nesses mestres de inspirador para nossos caminhos enquanto tal? Vocês
devem ou deveriam perguntar, se há centenas de pessoas dentro espaços
educativos ou fora deles que também combatem a educação bancária?
A grande sacada dos dois é o caminho da autonomia no
processo de ensino e aprendizagem, parece ser simples, mas na prática as curvas
para se chegar nessa linha de chegada de ser autônomo é muito complexa, muitas
vezes até dolorosa, inclusive em nossa vida prática. Nesse método de ensino, o
microfone e os holofotes saem da mãos do professor e a principal voz é a do
aluno...instigado, obviamente, pelo professor-orientador que lhe provocará por
meio da sua realidade e cultura a aprender a ler não somente as palavras e
escrevê-las, mas, sobretudo, fazer a leitura crítica e transformadora do seu
mundo. E dessa forma seria possível ocorrer uma grande democratização da
cultura no ato da inovação do ensino e da produção desses conhecimentos,
professor-aluno-sociedade.
É importante registrar ainda que todo esse processo de
aprender a ler mundo de forma participativa e libertadora empregada por Paulo
Freire em suas diversas obras e na sua aplicabilidade prática vislumbrava um
grande senso de amor e de transformação humanista para com aqueles que
compartilhava de suas ideias e do seu processo de ensino. Não era simplesmente
uma mudança de roupagem ou uma capa externa.
Já o Krishnamurti, o qual tenho uma identidade ainda maior
em função da experiência espiritual e também conheço sua filosofia um pouco
mais, segue essa direção de Freire, mas tocando ainda mais na ferida humana.
Para ele o caminho para uma educação correta deve ser a transformação interior
e a libertação humana a partir disso a sociedade seria transformada. É por meio
da educação que os seres humanos alcançariam o verdadeiro espírito religioso,
no sentido do religare enquanto seres verdadeiramente irmanados e conectados
com a centeia da criação, somente assim poderiam nos transformar e revolucionar
o mundo.
Aos precipitados que julgam apressadamente sem conhecer o
autor e sua obra, Krishnamurti era um combatente ferrenho das religiões desde
de seu rompimento com a sociedade teosófica buscou o caminho da espiritualidade
a partir da meditação, da observação e do amplo conhecimento, independente de
linha oriental ou ocidental, longe de igrejas, aliás as criticava e duramente.
Na sua obra A Educação e o verdadeiro significado da vida,
Krishnamurti vai sabiamente nos lembrar:
“Só o amor pode despertar a compreensão para com o próximo.
Quando há amor, há comunhão instantânea com outra pessoa, no mesmo nível, ao
mesmo tempo (...). Para compreender o significado da vida, com seus conflitos e
suas dores, precisamos pensar independentes de toda autoridade, inclusive da
autoridade da religião organizada; se, porém, desejando ajudar a criança,
citamos exemplos de autoridade, estaremos apenas incentivando o temor, a
imitação e várias formas de superstição”
Nesse trecho fica claro, assim como Freire, o sereno e firme
filósofo Krishnamurti enfatiza o quão pernicioso pode ser o autoritarismo no
processo de ensino e aprendizagem, capaz, inclusive, de matar os instintos de
criação e defensivos de uma criança. E somente o caminho da liberdade por meio do
percebimento do pensar e do sentir (o autoconhecimento) pode se encontrar a
chave para se formar um ser autônomo, o qual não evita perturbações críticas
sobre si, dessa forma a inteligência se mantém cada vez mais desperta. E essa
inteligência fortemente desperta é a intuição. A verdadeira e a guia mais
segura da vida, diz ele, é a intuição que lhe levará a torna-se um mestre de si
mesmo, sem relações de dependências com o orientador terreno, professor(a),
mãe/pai de santo e afins. Afinal “Deus ou a Verdade estão muito além do
pensamento e das necessidades emocionais”.
Finalizo esse pequeno ensaio, ou melhor, esses rascunhos de
reflexões sobre esses dois grandes pensadores e mestres — que se diga de
passagem, o objetivo do texto não foi fazer nenhum tratado sobre esses autores
mesmo porque não sou especialista em Freire, longe disso e sobre o Krishnamurti
ainda tenho muito que meditar sobre suas ideias — fazendo uma homenagem nesse
dia 15 de outubro, dia do professor, a todos os mestres e mestras de minha
vida, sejam os terrenos e os espirituais, não tenho dúvida que esses
orientadores que permaneceram ou os que "chegaram" estão presentes
certamente para somar e me fortalecer enquanto ser vivente no meu aprendizado
seguindo os passos do caminho da autonomia e da liberdade.
Amém
Shalom
Saravá.
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