quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Vida familiar, uma escola

É na família que nasce o novo caminho no enfrentamento daquilo que esgarça o tecido da cultura urbana, ao formar cidadãos capazes de oferecer a força do testemunho imprescindível a toda transformação, fundamentado na justiça, na verdade e na paz.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG

Há uma perigosa, progressiva e ameaçadora perda do sentido da vida como dom precioso. São muitos os cenários que comprovam a maneira relativista com que se vem tratando a vida: o resultado é a crescente perda de seu valor sagrado. Assim, torna-se urgente compreender e investir sempre mais em processos educativos que permitam o enfrentamento dessa realidade problemática e ameaçadora. Isso porque a dinâmica da delinquência, incentivada pela impunidade, entra sorrateiramente no tecido da cultura urbana, moldando o comportamento de pessoas e grupos.

Nesse cenário, gravíssimo é constatar o quanto está corroído o núcleo da consciência individual pelas escolhas subjetivistas, voluntaristas, norteadas por conveniências que relevam até mesmo preconceitos e ódios. Desse modo, esses adiantados processos de delinquência surgem na contramão de tudo o que se pode presumir. Há um pisca alerta em último grau indicando a urgência de programas educativos mais efetivos para enfrentar esse caos. Os altos preços já pagos e os prejuízos evidentes alertam para o agravamento dos mais diversos tipos de violência, desde o terrorismo de estado até aquelas que se escondem no silêncio dos lares, a exemplo das abomináveis agressões às mulheres.

Não bastam, porém, apenas intervenções pontuais nessas situações todas. É preciso completa reorganização nos funcionamentos da sociedade, considerando, sobretudo, o apreço sagrado pelo dom da vida. Inclui-se aí o enorme desafio de articular a complexidade e a diversidade das linguagens e das simbologias em meio às velozes transformações socioeconômicas, religiosas, políticas, culturais e ambientais. Também não bastam as intervenções estruturais na organização externa das realidades urbanas. É preciso investir em contextos com impactos estruturantes. No cenário amplo dos investimentos educativos, os governos, as igrejas, as academias e os demais segmentos devem priorizar a família, sempre mais.

Mesmo considerando-se superada a fase vivida recentemente, de relativização da família e até mesmo da preconização do seu fim, ainda são necessários ajustes na compreensão do que ela realmente representa. É essencial ter-se a clareza da importância de se constituir o núcleo familiar para ser qualificado no contexto educativo e, assim, ser capaz de questionar as realidades. Antes e acima do ensino formal, está a família. Escola indispensável, nela se configuram os elementos estruturantes do caráter, da socialização, do exercício da liberdade, da cidadania e da capacidade de amar. Tudo isso mantém acesa a chama do respeito à sacralidade da vida, força capaz de reconfigurar os cenários que a ameaçam.

É na família que nasce o novo caminho no enfrentamento daquilo que esgarça o tecido da cultura urbana, ao formar cidadãos capazes de oferecer a força do testemunho imprescindível a toda transformação, fundamentado na justiça, na verdade e na paz. Essa competência para intervir positivamente na realidade estrutura-se primeiramente a partir das relações familiares. Com a preponderância das figuras parentais é que se dá o aprendizado da indispensável dinâmica da reciprocidade, do sentido do outro, de sua dignidade e, sobretudo, do gosto por amparar e promover a vida.

A primeira e mais importante escola da vida não pode, contudo, caminhar sozinha. Esses desafios todos exigem políticas públicas adequadas, espiritualidade qualificada, sentido social e político da cidadania, que resultem em práticas capazes de fecundar o respeito incondicional à vida.

Âmbito da socialização primária, a família oferece os meios insubstituíveis de produção de um tecido urbano mais civilizatório, constituindo-se em lugar privilegiado para se repensar hábitos, relacionar-se com os outros, respeitar, ouvir e dialogar. Se não se aprende as boas maneiras de convivência em casa, comprometido estará o modo de se habitar em meio à comunidade, empurrando, mais aceleradamente, a sociedade para o caos.

A abordagem desta questão, emoldurada pela complexidade da cultura urbana contemporânea e pela realidade desafiadora própria da família, convida a refletir, debater e investir em novos cenários para fazer da vida familiar uma verdadeira escola. Todos somos sempre aprendizes.


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