Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
Há uma perigosa, progressiva e ameaçadora perda do
sentido da vida como dom precioso. São muitos os cenários que comprovam a
maneira relativista com que se vem tratando a vida: o resultado é a crescente
perda de seu valor sagrado. Assim, torna-se urgente compreender e investir
sempre mais em processos educativos que permitam o enfrentamento dessa
realidade problemática e ameaçadora. Isso porque a dinâmica da delinquência,
incentivada pela impunidade, entra sorrateiramente no tecido da cultura urbana,
moldando o comportamento de pessoas e grupos.
Nesse cenário, gravíssimo é constatar o quanto está
corroído o núcleo da consciência individual pelas escolhas subjetivistas,
voluntaristas, norteadas por conveniências que relevam até mesmo preconceitos e
ódios. Desse modo, esses adiantados processos de delinquência surgem na
contramão de tudo o que se pode presumir. Há um pisca alerta em último grau
indicando a urgência de programas educativos mais efetivos para enfrentar esse
caos. Os altos preços já pagos e os prejuízos evidentes alertam para o
agravamento dos mais diversos tipos de violência, desde o terrorismo de estado
até aquelas que se escondem no silêncio dos lares, a exemplo das abomináveis
agressões às mulheres.
Não bastam, porém, apenas intervenções pontuais nessas
situações todas. É preciso completa reorganização nos funcionamentos da
sociedade, considerando, sobretudo, o apreço sagrado pelo dom da vida.
Inclui-se aí o enorme desafio de articular a complexidade e a diversidade das
linguagens e das simbologias em meio às velozes transformações socioeconômicas,
religiosas, políticas, culturais e ambientais. Também não bastam as
intervenções estruturais na organização externa das realidades urbanas. É
preciso investir em contextos com impactos estruturantes. No cenário amplo dos
investimentos educativos, os governos, as igrejas, as academias e os demais
segmentos devem priorizar a família, sempre mais.
Mesmo considerando-se superada a fase vivida
recentemente, de relativização da família e até mesmo da preconização do seu
fim, ainda são necessários ajustes na compreensão do que ela realmente
representa. É essencial ter-se a clareza da importância de se constituir o
núcleo familiar para ser qualificado no contexto educativo e, assim, ser capaz
de questionar as realidades. Antes e acima do ensino formal, está a família.
Escola indispensável, nela se configuram os elementos estruturantes do caráter,
da socialização, do exercício da liberdade, da cidadania e da capacidade de
amar. Tudo isso mantém acesa a chama do respeito à sacralidade da vida, força
capaz de reconfigurar os cenários que a ameaçam.
É na família que nasce o novo caminho no enfrentamento
daquilo que esgarça o tecido da cultura urbana, ao formar cidadãos capazes de
oferecer a força do testemunho imprescindível a toda transformação,
fundamentado na justiça, na verdade e na paz. Essa competência para intervir
positivamente na realidade estrutura-se primeiramente a partir das relações
familiares. Com a preponderância das figuras parentais é que se dá o
aprendizado da indispensável dinâmica da reciprocidade, do sentido do outro, de
sua dignidade e, sobretudo, do gosto por amparar e promover a vida.
A primeira e mais importante escola da vida não pode,
contudo, caminhar sozinha. Esses desafios todos exigem políticas públicas
adequadas, espiritualidade qualificada, sentido social e político da cidadania,
que resultem em práticas capazes de fecundar o respeito incondicional à vida.
Âmbito da socialização primária, a família oferece os
meios insubstituíveis de produção de um tecido urbano mais civilizatório,
constituindo-se em lugar privilegiado para se repensar hábitos, relacionar-se
com os outros, respeitar, ouvir e dialogar. Se não se aprende as boas maneiras
de convivência em casa, comprometido estará o modo de se habitar em meio à
comunidade, empurrando, mais aceleradamente, a sociedade para o caos.
A abordagem desta questão, emoldurada pela complexidade
da cultura urbana contemporânea e pela realidade desafiadora própria da
família, convida a refletir, debater e investir em novos cenários para fazer da
vida familiar uma verdadeira escola. Todos somos sempre aprendizes.
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