Cristovam Buarque
O impeachment demonstra fracasso das forças de esquerda, que ficaram ultrapassadas nas ideias e propostas, perderam vigor transformador para reformar as estruturas sociais e se contaminaram com a corrupção na política; mas ficará incompleto, se limitado à substituição da presidente por seu vice-presidente. Precisamos fazer o impeachment do modelo que ficou arcaico: não percebeu as mudanças que ocorrem no mundo.
O impeachment só se justificará plenamente se servir para
levar as forças progressistas na direção de sua atualização em relação às novas
realidades e aos novos sonhos no mundo. A nova esquerda deve partir do
reconhecimento de que o impeachment decorre do fracasso da esquerda velha, que
deveria ter feito uma autocrítica, o que a arrogância e o acomodamento no poder
não permitiram.
Deve perceber que a sociedade justa depende de uma
economia eficiente; isto exige respeitar os limites fiscais e entender que a
propriedade privada dos meios de produção e o mercado dinamizam a economia,
criando os recursos a serem aplicados na sociedade. Entender que não há muita
margem para influir no funcionamento da economia com base em vontade
ideológica; que o espaço da esquerda está na definição do uso de recursos da
economia eficiente para servir ao social; também que o populismo leva a
desastres sociais.
Deve assumir e explicitar seu compromisso com a
democracia, as liberdades individuais e de imprensa; deve entender que o
capital está no domínio do conhecimento; substituir a proposta de estatizar os
meios de produção pelo compromisso de universalizar o capital conhecimento,
colocando os filhos dos trabalhadores em escola com a mesma qualidade dos
filhos dos patrões; entender que não é mais o crescimento econômico e a
distribuição de seu produto e renda que fazem o mundo melhor, mas a elevação do
bem-estar social, em equilíbrio ecológico.
Para isto, a esquerda deve olhar para o futuro, e não
para o passado; pelo parabrisa, não pelo retrovisor da história; assumindo a
liderança das reformas necessárias: previdência, para garantir a futura
aposentadoria dos jovens de hoje; trabalhista, considerando também os direitos
dos desempregados; tributária, taxando os ricos e colocando os recursos a
serviço dos interesses públicos; do Estado, para servir com eficiência ao
público, e não ao próprio Estado ou aos grupos corporativos que se apropriam da
má-uina estatal; a reforma política, para fazer a sociedade participativa, as
funções políticas regidas pela ética, tanto no comportamento dos políticos,
como nas prioridades da política.
O governo substituto pode não fazer as reformas que os 13
anos de governo de esquerda não fizeram, mas poderá permitir a estabilidade e o
diálogo necessários para a travessia em que uma nova esquerda vá se formando; o
que seria difícil com o mesmo modelo arcaico no poder, impedindo o avanço
conceitual e contaminando a moral das esquerdas e comprometendo ainda mais o
funcionamento de uma economia eficiente.
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