Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
A vida é dom precioso de Deus e altar da dignidade maior
- a dignidade humana. Mas, na arte de viver, acumula-se uma avalanche de
acontecimentos, processos, descasos e indiferenças que, assombrosamente, estão
na contramão desse sublime dom. Entre as lamentáveis situações, estão os
cenários degradantes de exclusão social, frutos da mesquinhez, da falta de sentido
autêntico de cidadania e dos famigerados esquemas de corrupção. A lista de
acontecimentos que ameaçam a vida é enorme e demanda providências urgentes,
redobrada atenção e ações mais incidentes. É preciso proteger esse precioso dom
de Deus em todas as suas etapas, da fecundação ao declínio com a morte natural.
Particularmente, merece redobrada atenção de todos - e políticas públicas
incidentes - um grave problema: o suicídio.
Falar sobre o tema é tabu que precisa ser vencido para que cada pessoa
possa colaborar com a saúde pública, em compromisso irrestrito com a vida.
O primeiro passo é ter a coragem para falar sobre o
assunto. Isso é fundamental para disseminar estratégias de prevenção. A
estatística oficial apresenta a preocupante dimensão do problema. Diariamente,
32 brasileiros morrem vítimas de suicídio, número que supera o de óbitos
causados pela AIDS e por vários tipos de câncer. Para despertar a atenção de
todos para essa realidade celebra-se no sábado, 10 de setembro, o Dia Mundial
de Prevenção ao Suicídio. E, durante todo o mês, são intensificadas ações de
combate a esse mal silencioso, escondido por preconceito e vergonha que impedem
a identificação do problema, a percepção de comportamentos depressivos em
pessoas próximas, sintomas que levam ao suicídio.
Compartilhar o assunto no dia a dia - na família, nos
ambientes de trabalho, nos círculos religiosos, no mundo da educação, nos mais
diversos lugares - pode contribuir, decisivamente, para salvar vidas, recuperar
pessoas e evitar que esse mal silencioso consolide-se como epidemia. O suicídio
é grave problema que atinge adultos, jovens, inclusive adolescentes e crianças,
deixando feridas incuráveis no coração de famílias. Todos devem aprender sempre
mais sobre os sintomas que indicam o risco iminente desse mal para, quando
necessário, poder intervir e ajudar a salvar vidas, recuperá-las, reconduzindo
pessoas para a saudável convivência familiar e a adequada inserção social. Cada
pessoa deve se sentir convocada a contribuir com projetos que promovam o dom da
vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde, de cada dez casos de suicídio,
nove poderiam ser evitados, se houvesse adequada prática de prevenção.
Por isso, é preciso unir esforços. Aliar a coragem
espiritual e humana com profunda sensibilidade social para acabar com o tabu
que inviabiliza falar sobre o assunto.
Vencer bloqueios nos diálogos em família, com amigos, colegas de
trabalho, nas relações que constituem a convivência social e religiosa. Também
é preciso lutar pela configuração de políticas públicas que contribuam, de
maneira decisiva, para prevenir o suicídio. Há um largo horizonte de medidas e
procedimentos a serem adotados para evitar esse grave problema, o que inclui,
desde investimentos para se conhecer melhor o cérebro, seus complexos e
indomináveis mecanismos de funcionamento, para se realizar as necessárias
intervenções farmacológicas, até o remédio indispensável e eficaz da
espiritualidade.
É grave desconsiderar um mal que pode atingir a todos.
Não se restringe a uma faixa etária específica, pois inclui crianças,
adolescentes, jovens e adultos - muitas vezes afogados num turbilhão de
escolhas e solicitações das quais não conseguem dar conta -, até idosos,
enjaulados no ostracismo da solidão. Atinge, também, pessoas das mais diversas
condições sociais. Essa consideração é comprovada pela estatística e mostra que
são necessárias providências urgentes para se promover a boa saúde mental. Isso
inclui construir condições sociais que não sejam peso e submetam pessoas a
situações de fragilidade extrema, levando-as ao desespero que as faz desistir
de viver. É hora de escuta atenciosa das
associações e instituições terapêuticas capazes de qualificar cada pessoa no
enfrentamento desse monstro destruidor - o suicídio. Também é urgente e prioritário
trabalhar para oferecer a cada pessoa recursos humanísticos e espirituais que
contribuam para a administração do dom da vida.
Assim, será possível promover o engajamento em programas
e projetos que tenham como missão promover esse dom, criando um vetor que se
retroalimenta e produz o sentido de viver. De modo especial, os campos da
educação e da cultura têm muito a contribuir nesse processo. A escola não pode
dedicar-se exclusivamente à chamada “educação formal” e desconhecer o mundo
real, muitas vezes conturbado, da vida juvenil. Essa consideração vale também
para Igrejas que, para além de proselitismos, “emocionalismos” e mesquinhos
interesses pecuniários, têm o dever de ser autênticos centros de
espiritualidade. Ambientes que, a partir de projetos e celebrações, capacitem
as pessoas para o viver. Juntos, de mãos dadas, que todos se empenhem na
prevenção do suicídio, buscando enfrentar tudo o que está contramão da vida.
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