Jorge Oliveira
Barra de S. Miguel, AL - Quando eu estava pesquisando a vida
da psiquiatra Nise da Silveira para o meu filme Olhar de Nise, estive no
hospital do Engenho de Dentro, no Rio. Lá, fui apresentado a um paciente que se
encarregou de ciceronear a minha visita. Vimos celas, corredores, enfermarias,
pátios, almoxarifados e, finalmente, entramos numa sala de recreação. O louco
parou, olhou para mim e, emocionado, disparou:
- Ali, naquela parede vazia, caiada de branco, existiam
várias pinturas nossas. Mas um doutor novo chegou aqui e mandou apagar tudinho.
Foi naquele hospital, entre as décadas de 1950 e 1960, que a
psiquiatra alagoana Nise da Silveira e o pintor Almir Mavignier descobriram,
entre centenas de doentes mentais, grandes talentos da pintura brasileira como
Fernando Diniz, Adelina, Carlos Petrus, Emigdio e Raphael, que se perpetuaram
na arte. Felizmente, naqueles tempos não apareceu por lá nenhum doutorzinho
para apagar as suas belas pinturas que correram o mundo.
O que o prefeito de São Paulo está fazendo com a arte de rua
da cidade se assemelha muito com a atitude do doutorzinho do Engenho de Dentro.
Sem consultar a população, ele decidiu tornar ainda mais cinzas as paredes das
ruas da cidade antes tão coloridas pelos mãos dos talentosos grafiteiros, que
decidiram humanizar a selva de pedra com seus pincéis mágicos e as suas
pinturas multicoloridas, de conceitos concretos e abstratos, admiradas no
mundo.
João Doria, o prefeito, responsável pela tragédia cultural
da livre criação, é o nosso Trump tupiniquim. Eleito no primeiro turno das eleições
paulista, substituiu um petista que bateu todos os recordes de rejeição. Mas
conseguiu chegar ao topo da administração de uma das maiores cidades da América
Latina sem nunca antes ter sido testado nas urnas, vendendo à população o
discurso do não político. E, surpreendentemente, age como os políticos
carimbados com demagogia e populismo barato.
Ao tomar posse transformou-se em gari, pedreiro e ciclista.
Uniformizou-se e foi para as ruas catar lixo. Não demonstrou nenhuma habilidade
na nobre tarefa de limpar a cidade nem na de pedreiro e muito menos na de
ciclista. Mostrou-se incapaz até para imitar o ex-prefeito Jânio Quadros, o
exótico político, fabricado também pelos paulistas, que governava (?) com uma
vassoura.
Doria, que se diz apolítico, quer cativar a população com
demagogia. Quer parecer igual à massa
que o elegeu. Quer passar por todas experiências para governar tomando as
decisões acertadas, nada mal para um executivo forjado dentro de um escritório.
Até terminar o mandato ainda pode ser trocador de ônibus, leão de chácara,
motorista de táxi, vendedor ambulante, feirante, garçom, entregador de pizza,
ambulante, chincheiro e cozinheiro. Com tantas atividades, certamente, não vai
sobrar tempo para São Paulo.
Se para administrar o seu torrão, ele precisa fazer essas
piruetas para mostrar a população que é um simples mortal, mesmo para quem
declara um patrimônio 180 milhões de reais, espera-se dele um certo equilíbrio
para não ir ao extremo nas suas elucubrações e se jogar do Martinelli, um dos
maiores arranhas céus de São Paulo, como experiência final da sua
administração.
O mais preocupante de tudo isso é que a equipe do prefeito
pensa igualzinho a ele, como agiam os soldadinhos do Plínio Salgado. Uma turma
de serviçais que diz amém aos seus atos esdrúxulos. Não à toa, o JN mostrou o
seu secretário de Cultura assinando em baixo a decisão do doutorzinho.
Justificava que outras pinturas “seriam preservadas” ao tempo em que obedecia
as ordens dele e mandava apagar os desenhos e as pinturas que suavizavam o
amontoado de concreto de São Paulo.
O que se pode esperar de um prefeito que começa o mandato
vandalizando a própria cidade? Ele acha
que os votos que recebeu dão-lhe o direito de tomar decisões monocrática e
intempestivas próprias de quem não sabe exercer o cargo ouvindo o povo de onde
emana o poder.
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