No meu tempo de criança, todo menino tinha medo de alma. Os adultos gostavam de contar histórias relacionando as almas com os fantasmas, somente para amedrontar a meninada...
Mas o que é alma? De onde vem? E depois, vai pra onde?...
Os espíritos disseram a Kardec que a alma é o espírito encarnado e que, depois
da carne morta, volta a ser espírito: morreu o corpo o espírito tira pra
fora!... Que diferença há entre espírito e alma? E o perispírito, que papel
exerce nessa relação corpo físico / espírito?... O perispírito é a
alma?... O que disseram Sócrates, Platão
e Aristóteles sobre a alma? Nada falaram? E Paulo, o que fala sobre perispírito?
O que diz a ciência?...
Claro que hoje não vou mexer com o formigueiro. Nem farei
como alguns que se prendem apenas às perguntas e respostas numeradas. Por isso,
vou apenas lançar um texto do Kardec sem números, nesta reabertura do blog,
para uma profunda leitura e reflexão de todos, principalmente para umbandistas
e espíritas, porque Kardec é também muito estudado na umbanda e em outros
grupos espiritualistas...
Alma, Princípio Vital e Fluido Vital
por Allan Kardec
Há outra palavra sobre a qual igualmente devemos
entender-nos, porque é uma das chaves de toda doutrina moral e tem suscitado
numerosas controvérsias, por falta de uma acepção bem determinada; é a palavra
alma. A divergência de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação
particular que cada qual faz desse vocábulo. Uma língua perfeita, em que cada
ideia tivesse a sua representação por um termo próprio, evitaria muitas
discussões; com uma palavra para cada coisa, todos se entenderiam.
Segundo uns, a alma é o princípio da vida orgânica
material; não tem existência própria e se extingue com a vida: é o puro
materialismo. Nesse sentido e por comparação, dizem de um instrumento quebrado,
que não produz mais som, que ele não tem alma. De acordo com esta opinião, a
alma seria um efeito e não uma causa.
Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência,
agente universal de que cada ser absorve uma porção. Segundo estes, não haveria
em todo o universo senão uma única alma, distribuindo fagulhas para os diversos
seres inteligentes, durante a vida; após a morte, cada fagulha volta à fonte
comum, confundindo-se no todo, como os córregos e os rios retornam ao mar de
onde saíram. Esta opinião difere da precedente em que, segundo esta hipótese,
existe em nós algo mais do que a matéria, restando qualquer coisa após a morte;
mas é quase como se nada restasse, pois não subsistindo a individualidade não
teríamos mais consciência de nós mesmos. De acordo com esta opinião, a alma
universal seria Deus e cada ser uma porção da Divindade; é esta uma variedade
do Panteísmo.
Segundo outros, enfim, a alma é um ser moral, distinto,
independente da matéria e que conserva a sua individualidade após a morte. Esta
concepção é incontestavelmente a mais comum, porque, sob um nome ou outro, a
ideia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra em estado de crença
instintiva, e independente de qualquer ensinança, entre todos os povos,
qualquer que seja o seu grau de civilização. Essa doutrina, para a qual a alma
é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.
Sem discutir o mérito dessas opiniões e não considerando
senão o lado lingüístico da questão, diremos que essas três aplicações da
palavra alma constituem três ideias distintas, que reclamariam cada uma um
termo diferente.
Essa palavra tem, portanto, significação tríplice, e cada
qual está com a razão, segundo o seu ponto de vista ao lhe dar uma definição; a
falha se encontra na língua, que não dispõe de mais de uma palavra para três
ideias. Para evitar confusões, seria necessário restringir a acepção da palavra
alma a uma de suas ideias. Escolher esta ou aquela é indiferente, simples
questão de convenção, e o que importa é esclarecer. Pensamos que o mais lógico
é tomá-la na sua significação mais vulgar, e por isso chamamos ALMA ao ser
imaterial e individual que existe em nós e sobrevive ao corpo. Ainda que este
ser não existisse e não fosse mais que um produto da imaginação, seria
necessário um termo para designá-lo.
Na falta de uma palavra especial para cada uma das duas
outras ideias, chamaremos:
Princípio vital, o princípio da vida material e orgânica,
seja qual for a sua fonte, que é comum a todos os seres vivos, desde as plantas
ao homem. A vida podendo existir, sem a faculdade de pensar, o princípio vital
é coisa distinta e independente. A palavra vitalidade não daria a mesma ideia.
Para uns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se
produz quando a matéria se encontra em dadas circunstâncias; segundo outros, e
essa ideia é a mais comum, ele se encontra num fluido especial, universalmente
espalhado, do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como
vemos os corpos inertes absorverem a luz. Este seria então o fluido vital, que,
segundo certas opiniões, não seria outra coisa senão o fluido elétrico
animalizado, também designado por fluido magnético, fluido nervoso etc.
Seja como for, há um fato incontestável, pois resulta da
observação: é que os seres orgânicos possuem uma força íntima que produz o
fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a
todos os seres orgânicos, e que ela independe da inteligência e do pensamento;
que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies
orgânicas; enfim, que, entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e
pensamento, há uma dotada de um senso moral especial que lhe dá incontestável
superioridade perante as outras, e que é a espécie humana.
Compreende-se que, com uma significação múltipla, a alma
não exclui o materialismo, nem o panteísmo. Mesmo o espiritualista pode muito
bem entender a alma segundo uma ou outra das duas primeiras definições, sem
prejuízo do ser material distinto, ao qual dará qualquer outro nome. Assim,
essa palavra não representa uma opinião: é um Proteu, que cada qual ajeita a
seu modo, o que dá origem a tantas disputas intermináveis.
Evitaríamos igualmente a confusão, mesmo empregando a
palavra alma nos três casos, desde que lhe ajuntássemos um qualificativo para
especificar a maneira pela qual a encaramos ou a aplicação que lhe damos. Ela
seria então um termo genérico, representando ao mesmo tempo o princípio da vida
material, da inteligência e do senso moral, que se distinguiriam pelo atributo,
como o gás, por exemplo, que se distingue ajuntando-se-lhe as palavras
hidrogênio, oxigênio e azoto. Poderíamos dizer, e talvez fosse o melhor, a alma
vital para designar o princípio da vida material, a alma intelectual para o princípio
da inteligência, e a alma espírita para o princípio da nossa individualidade
após a morte. Como se vê, tudo isto é questão de palavras, mas questão muito
importante para nos entendermos. Dessa maneira, a alma vital seria comum a
todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual seria
própria dos animais e dos homens, e a alma espírita pertenceria somente ao
homem.
Acreditamos dever insistir tanto mais nestas explicações,
quanto a Doutrina Espírita repousa naturalmente sobre a existência em nós de um
ser independente da matéria e que sobrevive ao corpo. Devendo repetir
frequentemente a palavra alma no curso desta obra, tínhamos de fixar o sentido
em que a tomamos, a fim de evitar qualquer engano.
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