José Sarney
Nova York — Os Estados Unidos são um país que orgulha a
humanidade, sobretudo por dele ter saído a missão mundial de difundir a
democracia, os direitos humanos, as liberdades individuais e, na expressão de
Jefferson, “a busca da felicidade”.
Passou a ser um esporte mundial, e ainda se mantém muito
vivo, o gosto de criticar os Estados Unidos. Eu mesmo, em alguns tempos de
minha vida, pratiquei esse esporte. E me arrependo porque, na realidade, com
todos os seus defeitos, com todos os seus problemas, nada é mais interessante
do que a sociedade americana, em que verificamos a capacidade desse país de
harmonizar uma sociedade tão conflituosa, com problemas raciais e religiosos, e
agora com a rejeição às imigrações cada vez maiores.
Essa leitura não pode ser prejudicada pela imagem do Trump,
que realmente, devemos reconhecer, em nada tem ajudado o seu país. Quanto mais
entrarmos na alma e na formação do que gerou o american dream, mais é possível
admirar exemplos dessa grande nação, que, não podemos esquecer, é poderosa e
mantém uma liderança mundial, certamente com a força dos seus cientistas,
intelectuais, escritores, artistas e, sobretudo, com as sólidas instituições
que criaram.
Para citar um exemplo, basta lembrar a sacralidade da sua
constituição, que veio pregar a todo o mundo a democracia, as liberdades
individuais e econômicas, tornando-se orgulho de toda a humanidade. E ela se
mantém, tendo a Suprema Corte como sua grande guardiã.
Mas sempre que venho a esse país não deixo de me
impressionar com sua outra face: a da ciência, da cultura e da arte. O primeiro
passo é fazer o tour dos museus: o Metropolitan — com o sinal dos tempos, Met —,
o Museu de Arte Moderna — MOMA —, o Museu de História Natural, o Museu
Guggenheim, aqui em Nova York, só para citar os mais notórios, sem falar dos de
Washington, Boston, etc., às centenas e aos milhares. O Barnes, em
Philadelphia, é um romance: o seu criador encomendou um gigantesco mural a
Matisse; houve erro na medida; segunda tentativa, segundo erro; na terceira
vez, mandou buscar o Matisse para pintar no local. Mas a arte aqui, numa moda
que se espalhou a partir de Chicago para toda parte, está nas ruas, em grandes
esculturas dos maiores artistas, americanos ou estrangeiros.
O Brasil está, aliás, integrado a esse cenário, com a
grande exposição de Tarsila do Amaral no MOMA, uma dessas raras vezes em que a
arte brasileira é reconhecida no exterior. É claro que nas Nações Unidas — de
Le Corbusier e Niemeyer — há os grandes painéis, nunca elogiados demais, de
Portinari.
Mas além das artes visuais, e da arte cênica, de que
preciso fugir para não falar do que o mundo todo conhece e que faz da cultura o
primeiro produto de exportação americano, há o universo do escrito. Além dos
romancistas, que dominam o mercado mundial do livro, e cuja importância é
reconhecida pelos intelectuais europeus, os Estados Unidos têm extraordinários
estudiosos. A historiografia americana é uma lição de técnica e estilo. Alguns,
como Joseph Ellis, estudam os fundadores, outros, como Arthur Schlesinger, Jr.,
sua época — no caso Roosevelt e os Kennedy, que ele conheceu bem. Sobre Lincoln
se escreve sempre, desde seus secretários, Hay e Nicolay, até Carl Sandburg, o
grande poeta, passando por livros como o de Doris Kearns Goodwin, que o
retratou usando seus adversários para construir sua equipe.
Os cientistas americanos ou que aqui trabalham, pois eles
são mestres em cooptação de inteligência, têm liderado a ciência nos últimos
100 anos. A Nasa levou o homem à Lua, e agora um empreendedor, Elon Musk, está
ultrapassando vários países na capacidade de colocar objetos no espaço — mesmo
que este seja para o lado de Marte.
Apaixonado pelo livro, não posso deixar de falar da
Biblioteca do Congresso, a maior do mundo, não só na guarda do que se faz aqui
como da produção cultural de todos os países.
Ao promover no Brasil a ideia da lei de incentivo cultural,
a Lei Sarney, estudei o que se fazia mundo afora. Aqui nos Estados Unidos os
incentivos fiscais passaram por uma adaptação, deixando de ter somente a
atração do ganho, mas a visão de deixar para a comunidade uma presença ou uma
esperança, com fundações, museus, prêmios, bolsas. Assim, por exemplo, as
bolsas das fundações Ford ou Fulbright, as doações da Rockfeller e da Carnegie,
entre tantas outras.
Nesse país de tantos contrastes, nada marca mais o
visitante sem preconceito que o amor que existe pelo conhecimento, exemplo de
grandeza a ser seguido.
José Sarney
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