José Sarney
É difícil fugir a um tema quando ele se impõe
avassalador. Pensei em escrever sobre flores ou sobre Trump e seu labirinto.
Logo 2019 chegou à minha frente e não tive como afastá-lo.
Meu pai teve um vaqueiro, Ludgero, que contava os anos
pelos bezerros: 1948, 50 bezerros, e assim por diante — era como listava todos.
Outra amiga nossa, dona Anicota, que tinha uma questão sobre umas terras do
Engenho da Anta que durara mais de 20 anos, já falava deles pelos eventos do
processo: 1953, “ano em que saiu a sentença que deu ganho de causa a meu irmão,
mas em 1954 teve o acórdão do tribunal que botou abaixo tudo”.
A marcação dos anos foi uma invenção do homem. O Padre
Vieira, com esse sentimento, não via o ano, mas os anos, e pregava desejando
“bons anos“, não só o vindouro, mas todos. Para mim, a cada ano saúdo o Ano
Novo, mas minha gratidão se volta para o Ano Velho. Quando transpomos a marca
do tempo, recordo que, nos 365 dias que vivemos, nosso coração a cada dia
bombeou 343 litros de sangue por hora, 8.000 litros por dia e 3 milhões no ano,
para oxigenar os 10 trilhões de células do nosso corpo, no milagre da vida, na
harmonia dessa máquina que nos distingue dos outros animais pelo pensar. É a
graça da vida, que Deus nos deu. Ela alimenta o nosso sonho de sonhar, os
sentimentos do amor, da fraternidade, da paixão, da solidariedade humana. Todos
os que vivemos e estamos aqui na Terra podemos louvar o ano que passou e
renovar esperanças sobre o que vem, porque somos vitoriosos.
Na evolução, somos produto de uma linhagem em que tudo
deu certo. Stephen Jay Gould, o principal estudioso da evolução do século XX,
pensando sobre isso, observou: “Nossa espécie nunca se rompeu nenhuma vez em
bilhões de momentos em que poderia acabar.” E quantas espécies acabaram!
Mas, para mim, esse mistério é tão grande e tão
inexplicável quando compreendemos que toda ciência é inevitável, mas ela só se
completa na plenitude da fé. É a presença de Deus na obra da criação que fecha
e acaba o ciclo da dúvida.
Ao meditar sobre a vida na contagem dos anos, a expressão
que me ocorre é de Hannah Arendt, que fala da obrigação de nossa “gratidão pelo
mundo”.
Os gregos pensavam que na amizade residia boa parte da felicidade
e esse era um dos requisitos “fundamentais para o bem-estar da cidade” e,
assim, ligavam a filantropia ao “amor dos homens”. Os romanos já caminhavam na
noção de “humanidade” como sentimento de solidariedade entre os homens: sermos
humanos.
Fim de ano nos leva a meditação. Agradecer o ano que
passou. Ter esperança de dias melhores no futuro. Quanto estamos precisando de
temperança, de solidariedade, de estender a mão à humanidade toda, de amor ao
próximo, da proteção divina. Mas o que mais quero hoje é desejar a todos,
principalmente meus leitores, um bom ano novo e BONS ANOS.
José Sarney
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