José Sarney
Estamos assistindo à situação trágica e triste da
Venezuela. Não é com satisfação que invoco ter sido a primeira voz a
levantar-se no Brasil, em discurso no Senado, contra os atos ditatoriais
iniciais de Hugo Chávez, fechando rádios e televisões, começando o esmagamento
da democracia.
A começar pela falsidade de chamar o seu movimento de
“democracia socialista bolivariana”, uma vez que Bolívar morreu em 1828, sua
luta era contra as monarquias e a favor da implantação de repúblicas na América
do Sul — e a palavra socialismo aparece pela primeira vez nas enciclopédias em
1838, dez anos após à morte do Libertador. A escalada para a morte do estado de
direito venezuelano prosseguiu com a prisão dos líderes oposicionistas,
lembremos Lopez e Ledezma e suas heróicas mulheres Lilian e Mitzy correndo o
mundo para sua libertação.
Felipe González, ex-primeiro-ministro da Espanha, meu
amigo, com uma carta minha de solidariedade, foi à Venezuela para integrar-se
aos protestos contra a ditadura que ali se implantava. Tragédia maior estava
por ocorrer: Chávez, que rejubilava-se de ficar no governo até 2013, morre, e o
substitui essa figura bizarra e grotesca de Maduro. Chávez tinha um objetivo,
que ele resumia no seu lema “pátria, socialismo ou morte”, e em querer que a
Venezuela se tornasse potência militar do continente. Nos tempos áureos do
petróleo de preços altíssimos, compra 60 bilhões de dólares de armas, mais de 160
caças russos, 600 mil bombas guiadas por GPS, estações de radar chinesas
ultra-sofisticadas, 138 navios, 15 submarinos, 100 mil rifles AK-103,
distribuídos às milícias, e o direito de produzi-los.
Perguntava eu no Senado, àquele tempo: “Já que habitamos um
continente pacífico, armar-se desta maneira contra quem? Para quem? Com que
objetivo?” Evidentemente que tamanho poderio militar colocava o Brasil numa
situação de inferioridade no continente e vulnerável em sua soberania.
Denunciei que seu objetivo era retomar o território de Essequibo da Guiana —
questão de limites da qual o Brasil participou e em que perdeu, no laudo do Rei
da Itália, a parte do nosso território que levava nossa fronteira à bacia do
rio Essequibo. Logo, uma guerra dessa natureza, que agora Maduro confessa ser
um de seus objetivos, nos oferece uma visão do perigo que representa para nós
uma ditadura dessas na Venezuela.
Chávez ainda dizia “a revolução na Venezuela é pacífica,
mas não desprovida de armas”, o que se inspirava na frase de Lenine quando
afirmou, na revolução de 1917 com o partido único: “Camaradas, agora não
necessitamos de oposição: é melhor discutir com os rifles.”
Não deixemos passar essa oportunidade: o continente, bem
como todas as nações civilizadas, deve se unir para encontrar uma solução
pacífica para retirar a Venezuela dessa ditadura cruel e restituir o estado de
direito ao país, que está à beira de uma guerra civil e vive uma catástrofe
humanitária.
José Sarney

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