quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Brasil, o país das tragédias anunciadas


JORGE OLIVEIRA


Brasília – O Brasil é um país previsível, portanto, acredito que outras tragédias virão por aí depois do desastre das barragens mineiras de Brumadinho e Mariana. Todos sabem – e existem relatórios que comprovam isso – que esses depósitos a céu aberto, que guardam o lixo da mineração, estão por um fio. O que outros também sabem – e não querem acreditar – é que isso ocorre porque as estruturas institucionais que tentam manter o país de pé estão quebradas, ruíram nas mãos de governantes corruptos, desonestos, desastrosos e irresponsáveis. O Brasil está moralmente quebrado, a economia cambaleante, enquanto fanáticos hidrófobos, odientos, babam pelo canto da boca como cães raivosos nas redes sociais.

A ditadura machucou a democracia, torturou, matou e exilou gente. E os governos civis que sucederam os militares deixaram um forte odor de corrupção no ar, tão forte que derreteu líderes que hoje amargam seus dias na cadeia, isolados, longe das massas que os veneravam.

O brasileiro já não se surpreende com tragédias como as das barragens. Afinal de contas, episódios como esses viraram rotina na vida de cada um deles. O desastre chama mais a atenção porque a televisão mostra ao vivo a enxurrada de lama levando gente, casas, carros, pousadas, devastando o meio ambiente e desabrigando milhares de pessoas que sobrevivem da lavoura.

O Brasil é campeão em outras tragédias. Imagine um pelotão de fuzilamento executando um Maracanã superlotado com 62 mil pessoas, registro dos homicídios praticados em 2018.

É ou não é uma tragédia?

Ou não é também uma tragédia que 14 milhões de famílias vivam penduradas no Bolsa-Família? Que quadrilhas de políticos e empresários roubem bilhões de empresas públicas sacrificando serviços essenciais como os da saúde, educação e segurança pública? Que os mais de 13 milhões de desempregados vivam como páreas? Ora, pois, vive-se no Brasil uma tragédia diária também da ética, da moral e dos bons costumes. Enquanto o brasileiro assiste estupefato bombeiros resgatarem pessoas da lama do minério, grupos se engalfinham nas redes sociais para discutir o autoexílio do deputado Jean Wyllys.

É estarrecedor assistir colegas jornalistas – que em tese seriam contra o preconceito – identificando-se com as atitudes fascistas desse governo homofóbico que discrimina homossexuais e os ameaça de morte. Wyllys está sendo prudente em ir embora, pois bate também à sua porta o ódio das milícias, dos intolerantes, que ceifaram a vida de Marielle.  O parlamentar, execrado, deixa o país por se sentir inseguro, ameaçado e coagido por alguns insanos contaminados pela raiva canina. Trata-se evidentemente de outra tragédia, aquela em que o indivíduo é proibido de viver em seu próprio país por ter as suas opções sexuais, políticas e sociais divergentes dos trogloditas que trocam o diálogo pelo cano da escopeta.

A tragédia espalhou-se de tal forma pelos cantos do país que as pessoas não se assustam mais com os noticiários sanguinolentos. As balas perdidas no Rio de Janeiro que matam inocentes viraram rotina, os tiroteios são vistos hoje como atração turística, simples fogos de artifícios que iluminam as noites assustadoras das favelas cariocas. Até os milicianos agora estão incorporados à política, quando se descobre que Flávio, o filho do presidente, dava proteção a policiais bandidos, agora caçados como suspeitos da morte da vereadora e do seu motorista.

Ou também não é uma tragédia quando um louco saca de uma peixeira e esfaqueia um candidato a presidente em plena luz do dia quase levando-a a morte? Mas a tragédia maior é quando esse mesmo candidato espalha o terror na campanha, ensinando crianças a engatilhar um revólver, usando símbolos belicistas como marketing, influenciando milhares de pessoas a se armar para se defenderem da bandidagem que, agora, sabe-se, escondia-se no gabinete do filho dele na Assembleia Legislativa do Rio.

A tragédia está por toda parte, em todos os setores da vida brasileira. Veja, por exemplo, se não é uma tragédia o que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está fazendo com o dinheiro público. Sob o pretexto de que gastou menos do que previa o orçamento do ano passado ele acha que pode torrar dinheiro. Cinicamente, o deputado encheu os bolsos dos colegas com milhões de reais para pagar auxílio moradia para os novos e velhos parlamentares, dinheiro que, segundo ele, estava “sobrando”. Que cara de pau, meu Deus! Todos sabem que a orgia financeira tem uma finalidade: comprar a reeleição dele.

As tragédias também se sucedem sob os olhares complacentes da nossa Justiça que vive atolada na desconfiança do brasileiro. Por exemplo: existe um caso tão vergonhoso como o da liberdade do Zé Dirceu, condenado a mais de 30 anos por corrupção, agora com a terceira cara nova depois de uma plástica? Existe tragédia maior do que a liberdade em doses homeopáticas de quase todos os empresários e políticos envolvidos na Lava Jato que vão deixando a cadeia, como o Palocci que saiu depois da delação seletiva?

É ou não é também uma tragédia?

Pois é, a tragédia das barragens de Minas é apenas mais uma neste país trágico. Ela é fruto de um Brasil dividido, raivoso e odiento, onde a perseguição, a calúnia e o proselitismo da violência florescem como erva daninha. Cresce como político imprestável que se alia a empresários corruptos para fazer leis que os favorecem sem se importar com o sangue que vai povoar suas consciências.

O Brasil vive a tragédia da sua própria identidade, vilipendiada por vândalos que chegam ao poder manipulando a consciência de um povo miserável afetado pela ignorância de uma pobreza devastadora.

Vivemos ou não vivemos em um país trágico?

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