JORGE OLIVEIRA
Brasília – O Brasil é um país previsível, portanto,
acredito que outras tragédias virão por aí depois do desastre das barragens
mineiras de Brumadinho e Mariana. Todos sabem – e existem relatórios que
comprovam isso – que esses depósitos a céu aberto, que guardam o lixo da
mineração, estão por um fio. O que outros também sabem – e não querem acreditar
– é que isso ocorre porque as estruturas institucionais que tentam manter o
país de pé estão quebradas, ruíram nas mãos de governantes corruptos,
desonestos, desastrosos e irresponsáveis. O Brasil está moralmente quebrado, a
economia cambaleante, enquanto fanáticos hidrófobos, odientos, babam pelo canto
da boca como cães raivosos nas redes sociais.
A ditadura machucou a democracia, torturou, matou e exilou
gente. E os governos civis que sucederam os militares deixaram um forte odor de
corrupção no ar, tão forte que derreteu líderes que hoje amargam seus dias na
cadeia, isolados, longe das massas que os veneravam.
O brasileiro já não se surpreende com tragédias como as das
barragens. Afinal de contas, episódios como esses viraram rotina na vida de
cada um deles. O desastre chama mais a atenção porque a televisão mostra ao
vivo a enxurrada de lama levando gente, casas, carros, pousadas, devastando o
meio ambiente e desabrigando milhares de pessoas que sobrevivem da lavoura.
O Brasil é campeão em outras tragédias. Imagine um pelotão
de fuzilamento executando um Maracanã superlotado com 62 mil pessoas, registro
dos homicídios praticados em 2018.
É ou não é uma tragédia?
Ou não é também uma tragédia que 14 milhões de famílias
vivam penduradas no Bolsa-Família? Que quadrilhas de políticos e empresários
roubem bilhões de empresas públicas sacrificando serviços essenciais como os da
saúde, educação e segurança pública? Que os mais de 13 milhões de desempregados
vivam como páreas? Ora, pois, vive-se no Brasil uma tragédia diária também da
ética, da moral e dos bons costumes. Enquanto o brasileiro assiste estupefato
bombeiros resgatarem pessoas da lama do minério, grupos se engalfinham nas
redes sociais para discutir o autoexílio do deputado Jean Wyllys.
É estarrecedor assistir colegas jornalistas – que em tese
seriam contra o preconceito – identificando-se com as atitudes fascistas desse
governo homofóbico que discrimina homossexuais e os ameaça de morte. Wyllys
está sendo prudente em ir embora, pois bate também à sua porta o ódio das
milícias, dos intolerantes, que ceifaram a vida de Marielle. O parlamentar, execrado, deixa o país por se
sentir inseguro, ameaçado e coagido por alguns insanos contaminados pela raiva
canina. Trata-se evidentemente de outra tragédia, aquela em que o indivíduo é
proibido de viver em seu próprio país por ter as suas opções sexuais, políticas
e sociais divergentes dos trogloditas que trocam o diálogo pelo cano da
escopeta.
A tragédia espalhou-se de tal forma pelos cantos do país
que as pessoas não se assustam mais com os noticiários sanguinolentos. As balas
perdidas no Rio de Janeiro que matam inocentes viraram rotina, os tiroteios são
vistos hoje como atração turística, simples fogos de artifícios que iluminam as
noites assustadoras das favelas cariocas. Até os milicianos agora estão
incorporados à política, quando se descobre que Flávio, o filho do presidente,
dava proteção a policiais bandidos, agora caçados como suspeitos da morte da
vereadora e do seu motorista.
Ou também não é uma tragédia quando um louco saca de uma
peixeira e esfaqueia um candidato a presidente em plena luz do dia quase
levando-a a morte? Mas a tragédia maior é quando esse mesmo candidato espalha o
terror na campanha, ensinando crianças a engatilhar um revólver, usando
símbolos belicistas como marketing, influenciando milhares de pessoas a se
armar para se defenderem da bandidagem que, agora, sabe-se, escondia-se no
gabinete do filho dele na Assembleia Legislativa do Rio.
A tragédia está por toda parte, em todos os setores da vida
brasileira. Veja, por exemplo, se não é uma tragédia o que o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, está fazendo com o dinheiro público. Sob o pretexto de
que gastou menos do que previa o orçamento do ano passado ele acha que pode
torrar dinheiro. Cinicamente, o deputado encheu os bolsos dos colegas com
milhões de reais para pagar auxílio moradia para os novos e velhos
parlamentares, dinheiro que, segundo ele, estava “sobrando”. Que cara de pau,
meu Deus! Todos sabem que a orgia financeira tem uma finalidade: comprar a
reeleição dele.
As tragédias também se sucedem sob os olhares complacentes
da nossa Justiça que vive atolada na desconfiança do brasileiro. Por exemplo: existe
um caso tão vergonhoso como o da liberdade do Zé Dirceu, condenado a mais de 30
anos por corrupção, agora com a terceira cara nova depois de uma plástica?
Existe tragédia maior do que a liberdade em doses homeopáticas de quase todos
os empresários e políticos envolvidos na Lava Jato que vão deixando a cadeia,
como o Palocci que saiu depois da delação seletiva?
É ou não é também uma tragédia?
Pois é, a tragédia das barragens de Minas é apenas mais uma
neste país trágico. Ela é fruto de um Brasil dividido, raivoso e odiento, onde
a perseguição, a calúnia e o proselitismo da violência florescem como erva
daninha. Cresce como político imprestável que se alia a empresários corruptos
para fazer leis que os favorecem sem se importar com o sangue que vai povoar
suas consciências.
O Brasil vive a tragédia da sua própria identidade,
vilipendiada por vândalos que chegam ao poder manipulando a consciência de um
povo miserável afetado pela ignorância de uma pobreza devastadora.
Vivemos ou não vivemos em um país trágico?

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