Dom Murilo S.R. Krieger - Arcebispo de São Salvador da Bahia - Vice-Presidente da CNBB
Precisamos
reconhecer, humilde e realisticamente: os problemas do Brasil são muitos e
graves, e em qualquer campo. Mais do que nunca é necessário um grande mutirão,
envolvendo o maior número possível de pessoas para enfrentá-los. Mesmo que
consigamos a adesão de muitos – isto é, de pessoas capazes para atacar tais
problemas e imbuídas de boa vontade -, precisamos escolher prioridades.
Critério para essa escolha são perguntas do tipo: Quais são nossos problemas
mais importantes? Quais os que provocam maiores consequências? Que iniciativas
devem ser tomadas para se atacar suas causas?
Se não
fizermos isso, corremos o risco “fazer muito”, mas de perdermos o foco. O
apóstolo Paulo expressa melhor o que quero transmitir: “Por isso, eu corro, mas
não sem meta. Eu luto, não como quem golpeia o ar” (1Cor 9,26).
De repente,
um tema começou a ganhar grandes proporções nas redes sociais: o do direito de
todo cidadão brasileiro poder andar armado. As motivações para isso são muitas
e conhecidas: acabar com a escalada da violência (segundo o 11º Anuário do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2016, 61.619 pessoas foram
assassinadas em nosso país); dar resposta aos desafios que enfrentamos: em
números absolutos, em nenhum país se mata mais do que no Brasil (em poucas
guerras civis se mata tanto); rever o Estatuto do Desarmamento, aprovado em
2018, pois os índices de criminalidade no país não diminuíram; reconhecer que o
porte de armas é um “direito” dos cidadãos; o comércio de armas de fogo e
munição caiu noventa por cento no país, sem que fossem reduzidos os índices de
homicídio no país, pois os bandidos usam armas não legalizadas etc., etc. Não
são poucas as estatísticas para provar as razões de cada uma dessas afirmações.
Lembro, porém, a observação irônica que ouvi de alguém que trabalha com elas:
“Estatística é a arte de espremer os números, até que eles provem o que
queremos”.
Por outro
lado, os que defendem o Estatuto do Desarmamento lembram que ele tanto impõe
restrições ao porte de armas por civis como também especifica crimes de
comércio ilegal e tráfico internacional de armas de foto, e amplia as penas
para o porte de arma em situação irregular. Portanto, nossos problemas nesse
campo não estariam tanto na Lei em vigor, mas em sua não aplicação. A
impunidade é um câncer que causa imensos estragos. Mais: para se ter uma ideia
concreta sobre o resultado do Estatuto do Desarmamento, é necessário comparar o
crescimento das taxas de homicídio antes e depois de sua entrada em vigor. Além
disso, os registros policiais comprovam que reagir a um assalto com uma arma aumenta
em 180 vezes as chances de morte da vítima. Também aqui as estatísticas servem
para comprovar a tese: nos Estados Unidos, onde é fácil a aquisição e o porte
de armas, temos repetidos massacres de civis e um grande número de suicídios
(600 mil desde 2000; entre eles, 20 mil menores de idade; 50% foram cometidas
com armas de fogo) etc., etc.
A questão é
séria, precisa ser amplamente debatida e deve envolver toda a sociedade, sem
esquecer que, em discussões como essa, os argumentos emotivos e as estatísticas
usadas habilmente pesam muito. Até frases do Evangelho (“Jesus, porém, disse:
“Guarda a espada! Todos os que usam da espada, pela espada perecerão” – Mt
26,52) ou textos do Catecismo da Igreja Católica (na linha do direito à
legítima defesa) poderão ser usados (ou manipulados) por um ou outro lado. Mas, convenhamos: não é o tema mais urgente
que precisamos debater neste momento. A questão da segurança pública, sim, é
grave e é urgente. Mas, não nos esqueçamos: não se resolve problemas complexos
com respostas (ou propostas) simples.
A Campanha
da Fraternidade deste ano de 2019 – “Fraternidade e Políticas Públicas” -, que
tem como lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27), propõe
um objetivo que é, certamente, muito oportuno neste momento da vida nacional:
“Estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da
Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de
fraternidade”. Pela expressão “Políticas Públicas” se entendem as ações e
programas desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos
que são previstos na Constituição Federal e em outras leis. Como se pode ver,
tal tema “impacta diretamente na vida dos brasileiros, sobretudo dos mais
vulneráveis. Falar de ‘Políticas Públicas” não é falar de ‘política’ ou de
‘eleições’, mas significa se referir a um conjunto de ações a serem
implementadas pelos gestores públicos, com vistas a promover o bem comum, na
perspectiva dos mais pobres da sociedade” (Texto Base 1.).
Que o
Espirito Santo ilumine a todos nós neste ano de 2019 – nós, que desejamos um
Brasil justo, fraterno e solidário!

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