Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
É inadiável combater as barbáries que desfiguram o
Brasil. Esse é o caminho para corrigir os descompassos políticos, sociais e
familiares que têm produzido inseguranças e clara perda de rumos. Essa deve ser
a prioridade de todos os cidadãos e instituições, pois permanecer indiferente a
esses cenários traz grave consequência: a assimilação passiva de dinâmicas
perversas, que fazem o cidadão se acostumar com situações horrendas,
naturalizando-as, de forma venenosa. Numa perigosa dinâmica, passa-se a repetir
comportamentos abomináveis, compulsivamente, perpetuando-os. Agir com rigor no
combate a situações desoladoras é, assim, um necessário cuidado para não se
deixar contaminar pelo terrível processo de delinquência, que devasta a
sociedade.
Superar a indiferença deve ser o ponto de partida para
enfrentar este “vale tudo” que se vive na atualidade, em que se age segundo os
próprios interesses, desconsiderando nobres valores. Sacrificam-se vidas,
subjetivismos são impostos como hegemonia. Patrimônios inegociáveis são
trocados pelo dinheiro. O desrespeito ao bem comum se torna regra, com
apropriações indébitas do erário, arquitetadas por diabólicos esquemas de
corrupção e favorecimentos. A trágica violência, que compromete o direito de ir
e vir, levando segmentos da população ao extermínio, é uma das mais graves
consequências da indiferença. A sociedade precisa acordar. Cada cidadão assuma
o desafio de investir em uma nova civilização, marcada por qualificados modos
de relacionamento.
Sem esse investimento não adianta mudar a composição de
instituições políticas, pois a governabilidade estará sempre comprometida.
Faltará a lucidez imprescindível aos entendimentos, fundamentais para conduzir
o Brasil rumo a uma realidade promissora. Não basta apenas investir em
segurança pública ou defender propostas inconsistentes, a exemplo da concessão
do direito legal ao porte de arma. O fundamental para a sociedade brasileira é
que haja profunda revolução cultural no sentido de recuperar valores e
princípios que sustentam o altruísmo, a solidariedade e o compromisso com o bem
comum.
Todos têm responsabilidade na construção de rumos novos,
pois a tarefa é grande, requer empenho diário e tempo - a transformação
almejada demandará décadas para se efetivar. Mas sem buscar essa profunda
mudança, continuarão a se multiplicar situações de barbárie, a exemplo dos
feminicídios e do extermínio de índios, abominação motivada por interesses
gananciosos, além das muitas outras tragédias diárias. Ocorrências que revelam
o descompasso moral e emocional dos cidadãos não só pela crueldade que as
envolvem, mas pela indiferença com que são percebidas pela sociedade. Com
urgência, é preciso reconhecer: há uma infinidade de barbáries que vão moldando
a sociedade. Um fenômeno cruel que configura a interioridade de crianças e
jovens, deseducando-os no sentido de desqualificar valores e princípios
imprescindíveis ao exercício da cidadania.
As reações frente a esse cenário são urgentes e demandam
amplo envolvimento que vão além de ideologias partidárias, de interesses
particulares, para tornarem-se força efetiva de mudança. Mas, o que fazer? Por
onde começar? O ponto de partida é tomar consciência da dinâmica que envolve o
mundo na contemporaneidade. Convive-se com uma avalanche de informações
irrelevantes e, ao mesmo tempo, falta lucidez às pessoas. Consequentemente,
gastam-se energias e investimentos com processos que contam pouco e não
deveriam ser prioridade.
A avalanche de informações muitas vezes gera confusão e
acaba causando o que pode ser chamado de ditadura da opinião própria. Esse
fenômeno, que se generaliza, é caracterizado por pessoas e grupos que emitem
juízos precipitadamente, a partir de interpretações equivocadas, perpetuando o
caos e alimentando a barbárie. Para reverter esse quadro, deve-se cultivar a
humildade: sabe-se menos do que se pensa que sabe.
Não se pode mais impor perspectivas sob o efeito de um
saber ilusório, em um mundo que se torna cada vez mais complexo. Perceber essa
indomável complexidade permite enxergar as próprias limitações, com humildade,
o que favorece o diálogo e, consequentemente, novos passos civilizatórios.
A força do diálogo e o inegociável respeito às pessoas
são fundamentais para enfrentar as barbáries. Qualificar-se para dialogar e
interagir, percebendo os próprios limites, é conduta indispensável e coerente
com a moralidade, a espiritualidade e autênticas relações fraternas.
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