José Sarney
Não há olhos no Brasil que não tenham tido lágrimas ou
vontade de tê-las com a tragédia da barragem de Brumadinho : os mortos
sufocados por uma brutal e avassaladora corrente de lama e pó de ferro; a
irresponsabilidade daqueles que não foram capazes de pensar que um dia isso
poderia acontecer; a burrice e a estupidez das instalações administrativas e
refeitórios a jusante da barragem… Para lembrar Fernando Pessoa, “quantas mães
choraram, / Quantos filhos em vão rezaram!” Quantas noivas perderam a esperança
e o sonho de um bem-amado, quantas viúvas, qual Penélope, esperam em vão o
retorno dos seus maridos?
Uma cidade condenada à morte e guardando para sempre a
memória desses mortos. Os anos que passarem serão incapazes de sepultá-los ou
esquecê-los. E a pergunta aterradora, que nos revolta qualquer que seja sua
resposta — de quem é a culpa? E a dor de ver a procura dos corpos, procurados
na esperança de poder dar-lhes uma sepultura cristã? E a dor dos olhos dos seus
amantes e amados, na saudade de ver de novo?
Mariana ainda sangra, e Brumadinho sangra mais ainda. Uma,
sangue da natureza e de gente; outra, hemorragia de gente, sofrimento, dor e
morte dos rios Doce e, agora, Paraopeba; águas que não saciarão mais a sede de
ninguém e se tornaram assassinas dos peixes e dos sapos. Ali não poderão mais
beber as capivaras, os veados, as vacas e os bois. Tudo é lama, água e barro,
pau e ferro.
Repetimos a pergunta amarga: de quem é a culpa?
Dos que pensaram que ali podiam barrar águas de rejeitos
sem temor de que um dia poderiam destruir tudo; dos que, pela ganância,
julgaram que era mais importante ganhar dinheiro, buscando o mais fácil em vez
do mais seguro. Dos que autorizaram esse caminho. Dos que autorizaram essa
torpeza. Dos que pensaram mais em ganhar mais, do que na vida e na morte dos
que ali iam trabalhar, e escolheram aquelas montanhas e belíssimas paisagens
ouvindo o silêncio das florestas e das águas para buscar repouso em pousadas,
sítios, lugar de descanso e meditação.
Brumadinho é uma tragédia e, mais do que uma tragédia, uma
dor que dói hoje, vai doer amanhã e vai doer para sempre. Que ela seja um
símbolo a ser seguido, e não esquecido, como Mariana, e que todas as barragens
feitas e alicerçadas nessas mazelas sejam transformadas em obras seguras de
engenharia, embaixo das quais todos possam dormir sem medo de ser tragados por
elas.
Não me apresentem desculpas: não há desculpas. Não busquem
argumentos: eles não existem. Grita mais alto a realidade dos fatos: que se
enterre com os mortos de Brumadinho a falsa engenharia, a ganância, e que
aflore daí, como exemplo, a punição de todos os culpados, pois ninguém
resgatará mais a vida dos que morreram. A revolta do Brasil é justa, a
indignação do Brasil, muito mais. Junto-me à dor de todas as famílias dos que
morreram.
José Sarney

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