José Sarney
No Maranhão não existe mais horário de verão, sentido pela
população apenas nas mudanças dos programas de televisão. Mas quando ele começou,
na década de 1960, foi um inconformismo grande. Eu era governador em 1965, o
último eleito diretamente pelo povo depois do movimento de 1964.
O povo chamava o horário de verão de horário novo e o
outro, de horário velho ou “horário de Deus”. Era uma confusão muito grande
porque ninguém obedecia ao relógio. Quando se marcava um encontro, vinha a
primeira pergunta: “É no horário novo ou no horário de Deus?”
Senti isso na própria carne de maneira dramática, pois
àquele tempo tínhamos ainda, no Natal, a Missa de Galo celebrada à meia-noite.
Fazia parte dos costumes e dos respeitos a presença do Governador e do Sr.
Arcebispo, àquele tempo, Dom João Motta, irmão do meu querido amigo e depois
colega da Academia Brasileira de Letras, o grande poeta Mauro Motta. À
meia-noite, cumprindo o horário de verão, cheguei à Igreja da Sé e lá sentei-me
com minha mulher no lugar que nos era reservado.
E aí é que vem a história. Deu meia-noite e quinze,
meia-noite e trinta, quinze para a uma, e o Arcebispo não chegava. Fiquei
preocupado e com medo de que tivesse acontecido alguma coisa com ele.
Eis que, calmamente, então, Dom Motta veio entrando na
Igreja, me cumprimenta na primeira fila, e eu, ingenuamente, pergunto: “Houve
alguma coisa com o senhor?” Evidentemente, me referindo à demora. Ele,
calmamente, me respondeu: “Ah, o senhor veio no horário novo? Eu vim no horário
de Deus.”
A verdade é que, no Norte e Nordeste, ninguém se conformava
com essa mudança de horário. Antônio Carlos Magalhães, com um projeto de lei, acabou
com ele no Nordeste e na Amazônia. Nessas regiões, era uma confusão danada em
todas as solenidades e festas. Muita gente perdia avião, enterro, batizado e
casamento.
A justificativa de sua existência era a do consumo de
energia e de a luz do sol entrar pelas primeiras horas da noite deixando as
luzes públicas e residenciais apagadas. Pelos cálculos que tenho lido, ao longo
desse tempo, a economia mensal tem sido de cerca de 5%.
Hoje, dezesseis de fevereiro, à meia-noite, no sul, eles
vão aumentar os relógios em uma hora. Deus queira que, com o novo horário,
desapareça o urubu que pousou na nossa sorte neste início de 2019. Brumadinho,
restos de Mariana, jogadores do Flamengo queimados, jornalista Boechat vítima
de lamentável acidente aéreo, Presidente Bolsonaro operado — graças a Deus já
voltou —; o Fluminense ganhou do meu Flamengo de 1 x 0, o meu Bode Gregório
suou para bater no Santa Quitéria, e eu, não encontrando assunto, estou
malhando o horário de verão.
Que Deus nos afaste essa onda de tragédia!
José Sarney
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