domingo, 17 de fevereiro de 2019

Velhos e novos amigos

Por Miriam Leitão*

(16 02 / 2019)

Na hora do parabéns, Daniel subiu numa cadeira para ser visto por todos no salão, fez seus agradecimentos com desenvoltura. Não esqueceu ninguém, e destacou:

- Obrigado aos meus amigos do colégio antigo e aos meus amigos do colégio novo.

Aos nove, meu neto está aprendendo que a gente sai, muda de ambiente, mas os laços devem permanecer. Ele estava ao lado do melhor amigo do velho colégio, Arthur, quando chegou o novíssimo amigo da atual escola, Felipe. Ele saiu correndo para apresentar um ao outro. Laços. A gente vai fazendo laços pela vida. O sábio é atá-los e conservá-los.

Quando Daniel chegou do primeiro dia de aula me contou que tinha feito uma amizade.

- Era novato como eu, vovó.

Felipe, na casa dele, também chegou avisando que tinha um novo amigo. Para o aniversário dele na semana que vem, a lista de Felipe começa com o nome do Daniel.

A amizade é fio que se tece ao longo da vida com cuidado, delicadeza e perseverança. Por descuido, por falta de tempo, pelas exigências todas da vida, por breves desencontros, a gente às vezes deixa de tecer e sente que perdeu quando é tarde demais. Neste tempo de amizades desfeitas, pelo mais estranho dos motivos, tenho tido vontade de reconectar os pontos e refazer os fios que a vida dispersou, quando mudei de cidade, emprego, cotidiano. Quero imitar Daniel que na sua lista colocou crianças do velho e do novo ambiente.

A amizade não nasce por acaso, nem imposição. É sentimento delicado, difícil de descrever. É natural. Há conexões imediatas e essas são valiosas. Pelas circunstâncias da vida adulta, não criamos oportunidades de novos momentos. Recentemente andei revendo amigos de outras eras em minha vida. A gente reconhece um sentimento durável quando, apesar da distância e do tempo, a conversa é retomada com a familiaridade. Os amigos descobrem então que fizeram os mesmos caminhos, chegaram à idêntica conclusão, têm aflições e esperanças similares. São afinidades que desperdiçamos ao espaçarmos tanto os encontros. Outro dia me diverti muito num almoço com uma amiga que via frequentemente, numa época da vida, e depois ela se mudou para a Europa. Continuamos com infinitos pontos de contato e ela ainda me chama pelo apelido carinhoso que me deu há 40 anos. Semanas antes, havia feito o reencontro com outra amiga que via diariamente na redação em que trabalhávamos. Nos encontrávamos nos fins de semana para programas comuns. Chorávamos e ríamos juntas. Depois, quando mudamos de trabalho, os contatos foram diminuindo. Ela voltou também de uma recente temporada no exterior. Marcamos almoço em um restaurante. E o "recontato" foi imediato. Ela chegou contando um caso como se a última conversa tivesse sido na véspera. Pareceu natural.

Pensei muito no valor da amizade esta semana porque perdi um amigo que era precioso demais, para tão pouco encontro nos últimos anos. Foi assim, uma amizade à primeira vista, a que estabeleci com Ricardo Boechat. Eu o conheci numa redação da cidade para a qual me mudara. E assim fomos, nos anos em que nos vimos com frequência. Rimos e nos divertimos juntos. As concordâncias eram fortes, as discordâncias, suaves e tratadas com humor. "Você que pensa, Miriamzinha, você que pensa", era assim que avisava que tinha outro ponto de vista em alguma questão. No momento em que o perdi, lembrei imediatamente dos gestos de extrema generosidade que recebi dele. E senti saudade dos encontros que não tivemos. Fiquei ouvindo de novo as palavras do último telefonema. Como podia saber que era o derradeiro? Resta o consolo de não me lembrar de qualquer desavença entre nós.

Recentemente tenho ouvido muita gente falar das amizades encerradas pelos conflitos de ideias. Será que já não é tempo de

retomar algumas delas? Ontem meu marido viu um barulho de carros batendo. Chegou à janela para conferir. "Eles são amigos", me disse. Quis saber como ele intuíra. "É que eles saíram do carro, se abraçaram e ficaram conversando." Talvez esteja na hora de abraçarmos amigos com os quais batemos de frente, por algum desencontro passageiro, e de procurar velhos amigos com os quais nunca brigamos. Esses são ainda mais valiosos. São presentes que a vida nos deu.

* Miriam Leitão é jornalista e escritora.

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