(16 02 / 2019)
Na hora do parabéns, Daniel subiu numa cadeira para ser
visto por todos no salão, fez seus agradecimentos com desenvoltura. Não
esqueceu ninguém, e destacou:
- Obrigado aos meus amigos do colégio antigo e aos meus
amigos do colégio novo.
Aos nove, meu neto está aprendendo que a gente sai, muda de
ambiente, mas os laços devem permanecer. Ele estava ao lado do melhor amigo do
velho colégio, Arthur, quando chegou o novíssimo amigo da atual escola, Felipe.
Ele saiu correndo para apresentar um ao outro. Laços. A gente vai fazendo laços
pela vida. O sábio é atá-los e conservá-los.
Quando Daniel chegou do primeiro dia de aula me contou que
tinha feito uma amizade.
- Era novato como eu, vovó.
Felipe, na casa dele, também chegou avisando que tinha um
novo amigo. Para o aniversário dele na semana que vem, a lista de Felipe começa
com o nome do Daniel.
A amizade é fio que se tece ao longo da vida com cuidado,
delicadeza e perseverança. Por descuido, por falta de tempo, pelas exigências
todas da vida, por breves desencontros, a gente às vezes deixa de tecer e sente
que perdeu quando é tarde demais. Neste tempo de amizades desfeitas, pelo mais
estranho dos motivos, tenho tido vontade de reconectar os pontos e refazer os
fios que a vida dispersou, quando mudei de cidade, emprego, cotidiano. Quero
imitar Daniel que na sua lista colocou crianças do velho e do novo ambiente.
A amizade não nasce por acaso, nem imposição. É sentimento
delicado, difícil de descrever. É natural. Há conexões imediatas e essas são
valiosas. Pelas circunstâncias da vida adulta, não criamos oportunidades de
novos momentos. Recentemente andei revendo amigos de outras eras em minha vida.
A gente reconhece um sentimento durável quando, apesar da distância e do tempo,
a conversa é retomada com a familiaridade. Os amigos descobrem então que
fizeram os mesmos caminhos, chegaram à idêntica conclusão, têm aflições e
esperanças similares. São afinidades que desperdiçamos ao espaçarmos tanto os
encontros. Outro dia me diverti muito num almoço com uma amiga que via
frequentemente, numa época da vida, e depois ela se mudou para a Europa.
Continuamos com infinitos pontos de contato e ela ainda me chama pelo apelido
carinhoso que me deu há 40 anos. Semanas antes, havia feito o reencontro com
outra amiga que via diariamente na redação em que trabalhávamos. Nos
encontrávamos nos fins de semana para programas comuns. Chorávamos e ríamos
juntas. Depois, quando mudamos de trabalho, os contatos foram diminuindo. Ela
voltou também de uma recente temporada no exterior. Marcamos almoço em um
restaurante. E o "recontato" foi imediato. Ela chegou contando um
caso como se a última conversa tivesse sido na véspera. Pareceu natural.
Pensei muito no valor da amizade esta semana porque perdi
um amigo que era precioso demais, para tão pouco encontro nos últimos anos. Foi
assim, uma amizade à primeira vista, a que estabeleci com Ricardo Boechat. Eu o
conheci numa redação da cidade para a qual me mudara. E assim fomos, nos anos
em que nos vimos com frequência. Rimos e nos divertimos juntos. As
concordâncias eram fortes, as discordâncias, suaves e tratadas com humor.
"Você que pensa, Miriamzinha, você que pensa", era assim que avisava
que tinha outro ponto de vista em alguma questão. No momento em que o perdi,
lembrei imediatamente dos gestos de extrema generosidade que recebi dele. E
senti saudade dos encontros que não tivemos. Fiquei ouvindo de novo as palavras
do último telefonema. Como podia saber que era o derradeiro? Resta o consolo de
não me lembrar de qualquer desavença entre nós.
Recentemente tenho ouvido muita gente falar das amizades
encerradas pelos conflitos de ideias. Será que já não é tempo de
retomar algumas delas? Ontem meu marido viu um barulho de
carros batendo. Chegou à janela para conferir. "Eles são amigos", me
disse. Quis saber como ele intuíra. "É que eles saíram do carro, se
abraçaram e ficaram conversando." Talvez esteja na hora de abraçarmos
amigos com os quais batemos de frente, por algum desencontro passageiro, e de
procurar velhos amigos com os quais nunca brigamos. Esses são ainda mais
valiosos. São presentes que a vida nos deu.
* Miriam Leitão é jornalista e escritora.
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