BENDITO NOVO CARNÁ
Zé Carlos Gonçalves
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E a Quaresma se encolhe e vai perdendo a sua importância. Adeus quarenta dias! E, para acelerá-la, ainda mais, e "fazer parecer mais rápida", já está se insinuando "nas propaganas" o voraz e persuasivo "coelhinho", em um prodígio de fertilidade, com os seus cintilantes ovos "a peso de ouro". Misericórdia!
E, de verdade, esta realidade ainda me assusta e me faz saudosista das práticas, em que fui criado, centradas nos três pilares mais caros da minha formação religiosa. Quando havia abstinência de carne vermelha e de bebidas alcoólicas, o jejum e o reforço na prática de orar, a fim de fortalecer a fé. Afinal, se visava ao amor misericordioso e à compaixão, como o valor mais caro para a existência humana.
E, com isso, não posso deixar de resgatar as maiores e mais caras preocupações daquela época. Ir ao almoço na casa do padrinho, que muitas vezes não sabia da existência do afilhado. Se sentir "um peixe fora d'água", extremamente acanhado, e, geralmente, "curtir um jejum, envergonhado e tremendo". Em casa, se refestelar com a torta de jabiraca ou com a tainha seca, ao leite de côco, e com o feijão mulata gorda; e viver o dorido e bendito silêncio, sem fazer qualquer barulho, principalmente, na sexta-feira santa, após o almoço, era um ritual sagrado e inviolável. Caso contrário, o castigo estava garantido: "uma surra" no sábado de aleluia. E, ainda, podia piorar ao extremo; receber o maior dos castigos, o mais terrível terror para qualquer criança, que era "criar um rabo!"
Esse cenário até parece aterrorizante, mas no nosso mundo de criança, sem a onipresença do celular, podem acreditar, conseguíamos nos divertir, burlar tão terríveis ameaças e, ainda, aprontar no isolamento de nossos quartos. E o mais incrível, de tudo, não fomos transformados em lagartos humanos. Pela graça divina!
E, hoje, "desconfio" que o sofrimento maior era dos adultos, que "tinham que dar exemplo". O silêncio obrigatório. Embora alguns "não se conformassem com isso". E posso provar com uma lembrança que trago de "um conhecido" de papai, que já "não aguentando" tanta abstinência, "doidinho pra ir pra festa", lhe perguntava, sempre que se encontravam. "Por que sexta-feira santa não cai sábado de aleluia?!" Eita morfético!
É ... já, já se vai a Quaresma e vem o sábado de aleluia! O novo carná!
Zé Carlos Gonçalves
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