Acadêmico: Gabriel Chalita*
Por que nos tornamos tão competitivos, tão sequiosos do ter, tão necessários do dizer que vencemos?
Por quê, meu Deus?
Eu acredito em Deus. Não em um Deus decididor dos nossos destinos. Acredito no Deus que nos sopra a vida e que nos garante, desde os inícios, a inteligência e a liberdade.
Somos seres capazes da escolha. E, para a escolha, a inteligência. Então, por quê? É a pergunta que faço com alguma frequência diante da frequência de escolhas erradas que nós, humanos, fazemos.
E a inteligência? A palavra inteligência vem de dois vocábulos "inter", de entre; e, "legere", de escolher. A inteligência é, então, escolher entre.
O tempo todo, o todo do mundo escolhe entre uma coisa e outra. Por que alguém escolhe a guerra podendo escolher a paz?
Por que alguém escolhe a perversidade podendo escolher a bondade? Por que alguém escolhe espalhar dizeres que doem podendo escolher o silêncio?
Eu estava em um aeroporto chegando a um outro país. E alguns homens abordaram uma mulher que estava com sua filha com deficiência. Porque ela fazia barulho. A abordagem foi tão dolorosa que nem o pranto da mãe amoleceu a rudeza dos homens do poder. Quem deu poder a eles? Um homem ainda mais rude que destila ódios e que faz um barulho ensurdecedor na humanidade. E quem deu poder a esse homem? Muitos homens e muitas mulheres com informações erradas que levaram a escolhas erradas. E a inteligência? E o escolher entre?
Alguns jovens esperam um outro jovem na saída da escola. O jovem que estava sendo esperado sofria por não se sentir fazendo parte da parte que conhece do mundo. O que esses jovens farão com ele? Em que prateleiras deixaram guardados sentimentos essenciais, na arte da escolha, no uso da inteligência, como o respeito, a compreensão, a compaixão?
Em uma casa, em tantas casas, adultos violentam crianças, por quê, meu Deus? Se o sopro criador da vida sopra também o amor, onde foi que a liberdade nos levou a esquecer o de onde viemos e o para onde vamos? Chamamos isso de liberdade ou de sua ausência?
Os homens e suas ausências. A ausência do cuidado faz com que cotidianamente causemos dor uns nos outros. Um grupo de trabalhadores trabalhavam felizes quando chegou alguém com poder. E a felicidade foi saindo timidamente, porque os gestos e as palavras desse alguém, com poder, desaprovam a felicidade de seus comandados.
Quem são os comandantes dessa embarcação incauta que se tornou a mente humana? Quem nos deposita desde os inícios os comandos que nos comandarão?
Por que nos tornamos tão competitivos, tão sequiosos do ter, tão necessários do dizer que vencemos?
Ouço vozes que se unem a vozes que não nos identificam. Vozes que diminuem uma parte da humanidade da qual fazemos parte como se essa parte não fosse parte também? Vozes e atitudes inumanas desumanizam a humanidade inteira.
Um grupo conversava sobre a morte aos diferentes. Desacreditei. Interveio o meu dizer sem saber se tive ou não o poder do convencimento ou do despertar o pensar.
A escolha é filha do pensar. Sem o pensar, a escolha é eco de outras escolhas ou de suas ausências.
Uma mulher agride em um lugar do alimentar um outro que ela decide infamiliar, porque diferente dela. Do que alimentamos a alma para, ao escolher entre o conhecer e o julgar, escolhermos errado?
Uma criança pede ao pai que trate com mais educação um garçom que fazia o seu trabalho. Olho para a criança e agradeço e lembro de uma canção que diz de um mundo que vê uma flor brotar de um impossível chão.
Por quê, meu Deus?
Eu insisto na pergunta e prosseguirei insistindo. E poderia dar tantos outros assombros de ações inumanas. Um cão esfaqueado por disputas em redes insociáveis. Uns fazendo e outros oferecendo dinheiro para requintes da crueldade. O que pensaria o cão se pensasse como pensam os humanos ao desacreditar de atitudes tão inumanas?
Mas a criança chorou ao ouvir a notícia e abraçou o seu cão, recolhido das ruas, depois do abandono. É a flor brotando em outro chão.
É isso, meu Deus?
É entendermos os desentendimentos e prosseguirmos semeando? Um dia, o dia amanhecerá com música? Ou talvez já amanheça. Um dia, o dia amanhecerá com música e nós com a sensibilidade necessária para o ouvir?
Ouvir a delicadeza da flor brotando do impossível chão.
Ouvir uma oração sincera pedindo a Deus o dom da não desistência.
Publicado em O Dia, em 29 06 2025
*Gabriel Chalita é acadêmico da Academia Paulista de Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.