sexta-feira, 15 de maio de 2015

Trilogia poética intimista

Trilogia poética intimista
(ou o Sazonamento da ideia)
 
 
 
 
*Mhario Lincoln
 
Eu conheci Vanice Zimerman Ferreira por dentro. E quão lindos são seus sonhos. Quão belos são seus insights poéticos. Literalmente, conheci Vanice e por ela, urgiu uma admiração incomensurável.
Conheci a Vanice singular – e o que me deixou indubitável ainda mais – “... uma gota d’água – na pétala amarela/um pequeno sol” – pela facilidade indelével de resumir o todo em pedacinhos tão belos.
Não! Haicai não se faz (só) assim. Haicai precisa de privilégios visuais, organizatórios, pueris e autenticidade à flor da pele. Haicai não é algo mecanicamente construído dentro de métricas pré-estabelecidas (só). O haicai não é meramente algo escrito em 5-7-5 (ou seja, 17 sílabas poéticas).
Não! O Haicai interage diretamente com a sensibilidade humana de forma em que o resumo das palavras seja o universo da poesia completa. Como Vanice sabiamente e sentimentalmente fez em: “... o menino sorri – navega o barco de papel/na enxurrada”.
Só esse Haicai vaniciano já é um universo. Sim é um 5-7-5, mas e antes de tudo, um 5-7-5 universal. Uma abóbada de pensamentos unicelulares que transbordam num infinito poético extraordinário, dando vasão ao talento interpretativo que os olhos absorvem e o coração escreve.
Assim é a poeta Vanice Ferreira, pintora e prosadora. Assim foi que Vanice desnudou-se na coletânea “A Lâmpada e as Estrelas”, organizada por José Marins, para comemorar o talento centenário de Helena Kolody (1912-2004).
Íntegra na métrica, mas borbulhante nos sentidos, Vanice Ferreira é profunda nas observações ao seu redor, fato que a fez igualmente talentosa fotógrafa do todo. Da mesma forma que ela colhe suas fotos com a máquina, seu cérebro privilegiado colhe os frutos disso na alma: “...depois da chuva/os espelhos na calçada/lembrando desenhos”.
Ao ler, ver e interpretar o trabalho de Vanice Ferreira vêm-me imediatamente o conceito interpretativo das grandes escolas poéticas da Europa. Nelas, liga-se diretamente a interpretação com nossa própria existência, fato que incide em nossas próprias escolhas. É a partir de interpretações que muitas de nossas escolhas acontecem: A fotografia sai desse fato lógico.

Por essa razão, a grandiosidade dos haicais de Vanice ultrapassa simplesmente a lógica métrica. Abarca os conceitos básicos da poesia singular: observação, interpretação e sentimento.
Desta forma, conheci Vanice por dentro. Lá no fundo de sua alma silenciosa, mas produtiva. Aparentemente calma, mas buliçosa e produtiva. Cálida, mas perfeccionista ao ponto de brocados numa pétala serem observados e traduzidos numa linguagem esplêndida.  
E com tanto talento saindo pelas lentes dos olhos e da Nikon, Vanice atinge patamares da fronteira do inimaginável às pessoas comuns. Especialmente quando junta sua poética com sua fotografia: Lentes da alma.
E isso me lembra o pai do conceito de fotojornalismo, o francês Henri Cartier-Bresson que sempre dizia: “(...). Fotografar é colocar na mesma linha, a cabeça, o olho e o coração. ” Vanice Ferreira também faz isso. Basta vê-la em talento explícito ao descrever e fotografar esta imagem: a tela enferrujada. (Foto).
Pois é assim que fui conhecendo Vanice por dentro. E minha felicidade foi maior ao deparar-me com uma mulher de princípios organizatórios, coisa que muitos artistas deixam de lado para serem excêntricos. Vanice é de uma humildade invejável. Participa de vernissages ou lançamentos ou encontros poéticos, faça chuva ou sol, esteja o local cheio ou vazio, mas sempre com o intuito de prestigiar a arte contemporânea.
Vanice é um raro talento, seja na prosa, no haicai, na poesia ou mesmo na fotografia. Tanto que integrou várias coletâneas importantes, como a recente Palavra é Arte, da “Cultura Editorial”, onde sua prosa leve passeia entre cenários urbanos de Curitiba (PR) e interpretações de pinturas clássicas. Mais ainda, seu pulsar interpretativo vendo e escrevendo como descrição, o autorretrato de Vicent van Gogh:
“Posso sentir, ao observar seu autorretrato, sua angústia e decepção com a vida, sua sede de reconhecimento e de amor, como se seus olhos as suplicassem. (...) As imagens que ele deixou para o mundo foram muitas, mas qual a imagem que temos dele? (...)”, diz Vanice.
Então, raros são aqueles que podem ver Vanice por dentro.
 
(*) Mhario Lincoln é jornalista (www.mhariolincolndobrasil.com)
Poeta, pesquisador, crítico literário.

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