Trilogia poética intimista
(ou o Sazonamento da ideia)
*Mhario Lincoln
Eu conheci Vanice Zimerman Ferreira por dentro. E quão lindos são
seus sonhos. Quão belos são seus insights poéticos. Literalmente,
conheci Vanice e por ela, urgiu uma admiração incomensurável.
Conheci a Vanice singular – e o que me deixou indubitável ainda
mais – “... uma gota d’água – na pétala amarela/um pequeno sol” – pela
facilidade indelével de resumir o todo em pedacinhos tão belos.
Não! Haicai não se faz (só) assim. Haicai precisa de privilégios
visuais, organizatórios, pueris e autenticidade à flor da pele. Haicai
não é algo mecanicamente construído dentro de métricas pré-estabelecidas
(só). O haicai não é meramente algo escrito em 5-7-5 (ou seja, 17
sílabas poéticas).
Não!
O Haicai interage diretamente com a sensibilidade humana de forma em
que o resumo das palavras seja o universo da poesia completa. Como
Vanice sabiamente e sentimentalmente fez em: “... o menino sorri –
navega o barco de papel/na enxurrada”.
Só esse Haicai vaniciano já é um universo. Sim é um 5-7-5, mas e
antes de tudo, um 5-7-5 universal. Uma abóbada de pensamentos
unicelulares que transbordam num infinito poético extraordinário, dando
vasão ao talento interpretativo que os olhos absorvem e o coração
escreve.
Assim é a poeta Vanice Ferreira, pintora e prosadora. Assim foi que
Vanice desnudou-se na coletânea “A Lâmpada e as Estrelas”, organizada
por José Marins, para comemorar o talento centenário de Helena Kolody
(1912-2004).
Íntegra na métrica, mas borbulhante nos sentidos, Vanice Ferreira é
profunda nas observações ao seu redor, fato que a fez igualmente
talentosa fotógrafa do todo. Da mesma forma que ela colhe suas fotos com
a máquina, seu cérebro privilegiado colhe os frutos disso na alma:
“...depois da chuva/os espelhos na calçada/lembrando desenhos”.
Ao ler, ver e interpretar o trabalho de Vanice Ferreira vêm-me
imediatamente o conceito interpretativo das grandes escolas poéticas da
Europa. Nelas, liga-se diretamente a interpretação com nossa própria
existência, fato que incide em nossas próprias escolhas. É a partir de
interpretações que muitas de nossas escolhas acontecem: A fotografia sai
desse fato lógico.
Por essa razão, a grandiosidade dos haicais de Vanice ultrapassa
simplesmente a lógica métrica. Abarca os conceitos básicos da poesia
singular: observação, interpretação e sentimento.
Desta forma, conheci Vanice por dentro. Lá no fundo de sua alma
silenciosa, mas produtiva. Aparentemente calma, mas buliçosa e
produtiva. Cálida, mas perfeccionista ao ponto de brocados numa pétala
serem observados e traduzidos numa linguagem esplêndida.
E com tanto talento saindo pelas lentes dos olhos e da Nikon,
Vanice atinge patamares da fronteira do inimaginável às pessoas comuns.
Especialmente quando junta sua poética com sua fotografia: Lentes da
alma.
E
isso me lembra o pai do conceito de fotojornalismo, o francês Henri
Cartier-Bresson que sempre dizia: “(...). Fotografar é colocar na mesma
linha, a cabeça, o olho e o coração. ” Vanice Ferreira também faz isso.
Basta vê-la em talento explícito ao descrever e fotografar esta imagem: a
tela enferrujada. (Foto).
Pois é assim que fui conhecendo Vanice por dentro. E minha
felicidade foi maior ao deparar-me com uma mulher de princípios
organizatórios, coisa que muitos artistas deixam de lado para serem
excêntricos. Vanice é de uma humildade invejável. Participa de
vernissages ou lançamentos ou encontros poéticos, faça chuva ou sol,
esteja o local cheio ou vazio, mas sempre com o intuito de prestigiar a
arte contemporânea.
Vanice é um raro talento, seja na prosa, no haicai, na poesia ou
mesmo na fotografia. Tanto que integrou várias coletâneas importantes,
como a recente Palavra é Arte, da “Cultura Editorial”, onde sua prosa
leve passeia entre cenários urbanos de Curitiba (PR) e interpretações de
pinturas clássicas. Mais ainda, seu pulsar interpretativo vendo e
escrevendo como descrição, o autorretrato de Vicent van Gogh:
“Posso sentir, ao observar seu autorretrato, sua angústia e
decepção com a vida, sua sede de reconhecimento e de amor, como se seus
olhos as suplicassem. (...) As imagens que ele deixou para o mundo foram
muitas, mas qual a imagem que temos dele? (...)”, diz Vanice.
Então, raros são aqueles que podem ver Vanice por dentro.
(*) Mhario Lincoln é jornalista (www.mhariolincolndobrasil.com)
Poeta, pesquisador, crítico literário.
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