Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
A Igreja Católica prepara um percurso de grande importância:
a celebração do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa
Francisco. Trata-se de um momento especial, celebrado no âmbito das comunidades
de fé, que deve ecoar em todo o mundo, para vencer as muitas violências -
física e moral, a corrupção e também a permissividade que contracena com a
rigidez de grupos, alimentando fundamentalismos religiosos, políticos e culturais.
A vivência desse tempo é oportunidade para tratar feridas que atingem a
sociedade como um todo, inclusive a própria Igreja. O remédio para essas
enfermidades é a prática da misericórdia.
A audaciosa convocação do Ano Santo da Misericórdia comprova
a intuição singular do Papa Francisco no exercício de sua missão. É pelo
caminho da misericórdia que a humanidade alcançará as mudanças e respostas que
a contemporaneidade espera, com urgência.
É remédio incidente. Pode ocorrer de se pensar, equivocadamente, que
agir de modo misericordioso se trata de fraqueza e conivência. Mas, assinala o
Papa Francisco, reportando-se a palavras de Santo Tomás de Aquino, que a
misericórdia não é sinal de fraqueza, é qualidade da onipotência divina.
O início do Ano Santo da Misericórdia será marcado pela
abertura da Porta Santa em Roma, pelo Papa, no dia 8 de dezembro. Nas dioceses
do mundo inteiro, no domingo seguinte, dia 13. Essa Porta será aberta para que
qualquer pessoa possa entrar e experimentar o amor de Deus que perdoa, consola
e dá esperança. Isso significa que a vivência da misericórdia permite
regeneração e nova compreensão da vida, um olhar compassivo sobre a humanidade,
na direção de cada pessoa. Torna efetiva a possibilidade de se alcançar novos
sentimentos e um jeito de viver capazes de desenhar cenários na contramão da
violência, da corrupção, da luta insana pelo poder e pelo lucro.
A experiência da misericórdia alimenta a esperança. Permite
a compreensão lúcida da fraternidade e da solidariedade como pilares indispensáveis
da sociedade. Bases que devem substituir a lógica perversa da economia que gera
ganância, raiz de um “desenvolvimento” que recai como peso sobre os ombros de
todos, particularmente dos pobres e indefesos.
Para encontrar um rumo novo, todos são convocados a compreender que Deus
é misericordioso, fonte da misericórdia. E Jesus Cristo é o rosto dessa
misericórdia do Pai porque n’Ele, Jesus, a misericórdia se tornou viva, visível
e chegou ao seu ápice. Esse é o mistério
da fé cristã.
Ser cristão é, portanto, contemplar o mistério da
misericórdia, revelado por Jesus Cristo, fonte da alegria, da serenidade e da
paz. Uma interpelação incidente, pois permite reconhecer que a misericórdia é o
ato último e supremo pelo qual Deus vem ao encontro de todos. Pertinente é a
indicação do Papa Francisco, quando sublinha que “a misericórdia é a lei
fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o
irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia é o caminho que une Deus e
o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre,
apesar da limitação de nosso pecado”.
Coluna mestra de sustentação da Igreja, a experiência da
misericórdia é indispensável para conseguir respostas novas e transformadoras,
diante dos desafios da atualidade. Sem o
remédio da misericórdia, crescerão os fundamentalismos, não se controlará a
intolerância, haverá sempre mais polarização de grupos políticos e religiosos,
um contínuo desgaste da cultura da vida e da paz. Investir na misericórdia começa pela
competência indispensável de perdoar, como Jesus indicou a Pedro, ao responder
a sua pergunta a respeito de quantas vezes deve-se perdoar. O perdão é núcleo
central do Evangelho e da autenticidade da fé cristã. Por isso, Jesus mostra que
a misericórdia não é apenas o agir de Deus Pai, mas é o verdadeiro critério
para reconhecer quem são os verdadeiros filhos de Deus.
O Ano da Misericórdia, experiência de fé na Igreja, com
incidência na vida das famílias e comunidades, marcado por testemunhos,
significativos gestos de reconciliação e perdão, é necessário para se alcançar
nova etapa no cuidado das fraquezas e dificuldades dos irmãos. Um convite para que se busque a sabedoria da
misericórdia. Em lugar de violência e
disputas, que surja um tempo novo, pela força da misericórdia e da compaixão.
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