Passados dez anos, as duas pernas foram atingidas por uma
paralisia que cedeu após quarenta dias. No ano seguinte, nova paralisia nas
duas pernas com a duração de três meses. Mais dois anos e nova paralisia. A
partir daí, nenhum movimento mais nas pernas. Em 1847, um ano depois, dores
horríveis na coluna vertebral e na cabeça. No ano seguinte, paralisia nos
braços. Em 1849, a bexiga estava completamente paralisada. No mesmo ano
surgiram crises de epilepsia, cerca de oitenta vezes ao dia. O mal foi então
considerado incurável pelos médicos.
Sem esperanças, a família resolveu submetê-la ao tratamento
feito através do magnetismo animal. O Barão foi convidado a exercer a sua
influência fluídica sobre aquela doente, que parecia ter nascido para o sofrimento
e a dor. Após as primeiras magnetizações, os primeiros resultados apareceram e
a doente já conseguia dormir melhor, ao mesmo tempo em que demonstrava grande
sensibilidade magnética, revelando a capacidade sonambúlica. Ela declarou que
via água na medula espinhal, que tinha sangue no estômago, congestão no ventre
e um grande tremor no coração. Em sonambulismo, a doente indicou o tempo que
era necessário deixá-la em crise e os alimentos que deveriam lhe dar para
comer.
Com a continuação do tratamento, realizado duas vezes ao
dia, com uma hora de duração cada, os ataques de epilepsia diminuíram pela
metade em frequência e em duração. A bexiga começou a funcionar melhor. Porém,
em meio às crises provocadas pelo magnetismo, ela perdeu um pouco da lucidez sonambúlica
e passou noites sem conseguir dormir. Em pouco tempo ela mesma anunciou o dia
em que retomaria a lucidez e a partir de quando voltaria a dormir bem, tudo
acontecendo conforme predito por ela.
Os ataques de epilepsia cessaram completamente, acontecendo
a cura completa da bexiga e ampliação da fala que há tempos tinha perdido a
força. Os enjoos do estômago desapareceram.
Eugênia, em sonambulismo, recomendou que se fizessem dois
cautérios que os médicos se recusaram a realizar. O magnetizador, aproveitando
o estado sonambúlico, simulava os cautérios, utilizando dois dedos aplicados em
suas costas, os quais Eugênia os sentia dolorosamente, como se queimassem
realmente.
A sonâmbula afirmou o dia em que retornaria a sensibilidade
do lado direito, ocorrendo conforme a sua previsão. Anunciou quando seria
restabelecido por completo o movimento do braço direito e da perna, que poderia
segurar um livro e folheá-lo. Informou quando voltaria a sensibilidade e o
movimento do lado esquerdo. Afirmou que a cura completa precisaria de pelo
menos mais um ano. Conforme suas predições, ela já conseguia sentar-se, depois
andar no quarto e enfim no jardim. No tempo previsto, ocorria a cura completa.
À época, décadas antes do surgimento da Doutrina Espírita,
estes fenômenos faziam parte do cotidiano dos magnetizadores. Teorias diversas
eram levantadas para explicá-los. Os magnetizadores, porém, que eram
espiritualistas, conseguiam enxergar na alma a causa destes processos. Tomando
o termo alma como sendo o espírito encarnado, na conceituação de Allan Kardec,
vemos que se trata de um fenômeno anímico, ou seja, realizado pelo próprio
indivíduo, sem que este seja intermediário de outros Espíritos, o que
caracterizaria a mediunidade.
A visão da alma, ou dupla vista, foi estudada e defendida
pelo codificador do Espiritismo no capítulo “Emancipação da Alma” de O Livro
dos Espíritos, sendo desenvolvida em outras obras, principalmente na Revista
Espírita. Todo sonâmbulo possui a dupla vista, sendo esta encontrada também em
indivíduos não sonâmbulos. Neste caso, a necessidade de um estado de transe é
quase nula, o indivíduo como que vê duas realidades ao mesmo tempo, uma
interpenetrando a outra. Como visto na história de Eugênia Morel, a visão pode
não necessariamente ser do mundo espiritual, mas também de ambientes terrenos:
visão à distância e através de objetos opacos, vista interna do corpo humano,
diagnóstico e prognóstico de doenças e orientação ao tratamento. É a alma que
se desloca e vê, que penetra a sua visão através da matéria, que intui o futuro
e as circunstâncias preditas, podendo ser orientada, com ou sem o seu
conhecimento, por Espíritos desencarnados naquilo em que as percepções do
próprio sujet não consigam penetrar. A independência do Espírito com relação ao
seu corpo orgânico faz com que aquele possa agir com maior liberdade, sem os
entraves proporcionados pela matéria física.
À medida que a materialidade dos nossos Espíritos tanto
quanto dos nossos corpos reduzam, o uso das faculdades espirituais durante a
encarnação serão cada vez mais facilitadas, reservando o futuro grandes
possibilidades para a Humanidade. Assim, o mundo espiritual e o mundo físico
estarão cada vez mais próximos, figurativamente falando. As incursões fora do
corpo, tanto quanto o contato com o mundo espiritual serão cada vez mais
simples. Trabalhemos o nosso progresso espiritual e veremos esse futuro chegar mais
brevemente.
*Adilson Motta de Santana - escritor e palestrante espírita
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