Edson Vidigal
Depois daquela recusa firme e definitiva, quem ousaria
insistir? A coroa já estava pronta, mas Washington não aceitou ser George I.
Assim, ao invés de um monarca, os Estados Unidos da
América teriam a governa-lo um Presidente eleito pelo voto popular, mas
referendado por um colegiado nacional, como tem sido até hoje.
Definidas as responsabilidades e funções diferenciadas
desse funcionário público com mandato executivo por quatro anos e reeleições
sucessivas, acertou-se que, além de um salário anual, teria a seu dispor uma
mansão com home office e os auxiliares minimamente necessários, não podendo se
ausentar do Distrito da Capital, a não ser a trabalho ou nas férias. E tal.
Lá para as tantas, um Pai da Pátria questionou. O País é
enorme, a mobilidade difícil, as comunicações precárias. Imaginemos que
pipoquem contra esse funcionário denúncias ou processos sobre as mais diversas
acusações, o que a pretexto politico é possível, será justo que ele se afaste
dos seus deveres para ficar ziguezagueando pelo País a se explicar e a se
defender em todo tipo demanda?
Nasceu aí o foro privilegiado por prerrogativa de função.
Apenas para o Presidente da República. Nada mais lógico.
No Brasil, uma intriga de quartel temperada fortemente
com ciúme de uma inocente mulher teria atiçado o velho Marechal, amicíssimo do
Imperador, a celebrar do alto do seu cavalo – Viva a República! Aquilo sim que
foi um golpe.
Na formatação da nossa República, o nosso grande Rui
inoculou entre as prerrogativas do Presidente o foro privilegiado. Para as
infrações penais comuns, o Supremo Tribunal Federal é a única instancia. Para
os crimes de responsabilidade, o Senado da República.
Com o tempo, o foro privilegiado foi se ampliando em
favorecimentos a centenas de funcionários como Ministros de Estado, Juízes,
Senadores, Deputados. E tal. O suficiente para ocupar o tempo dos magistrados
da Suprema Corte ate com questões que não tem nada a ver com eventuais deslizes
funcionais.
O Superior Tribunal de Justiça, corte destinada à
unificação do direito nacional federal em especial consolidando jurisprudência
para melhor interpretação desse direito, também possui o seu cercadinho destinado
aos destinatários de foro privilegiado, dentre os quais os Governadores de
Estados e os Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios.
Uma vez, estando Presidente do STJ, fiquei a mirar a
inutilidade daquele vistoso mural que encima a mesa diretora das sessões
plenárias do colegiado restrito a que chamam de Corte Especial, exatamente onde
são finalmente julgados os Governadores, Conselheiros e tal.
Pedi à carpintaria um enorme brasão da Republica no
centro do painel e abaixo em letras no mais enorme possível a frase-mantra de
todas as Repúblicas:
- Todos são Iguais Perante a Lei
Ah, pra que?! Nunca imaginei que fosse incomodar tanto.
Foi eu dar as costas e mandaram retirar tudo.
Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior
Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.
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