MARLI GONÇALVES
Ninguém sabe como começa, nem quando termina ou até onde
vai, se voltam em algum ciclo nos próximos meses, mas eles simplesmente
aparecem. São os desafios do Facebook. Parece chiclete. Pode ser uma
brincadeira, uma campanha altruísta-solidária (e que em geral é sem nexo),
algum momento cultural. Entre outras está rolando agora uma de fotos antigas da
pessoa, de algum momento lá atrás. E vou dizer: está bonito, desse desafio
gostei. Saudades de nós, saudade de mim, saudade de você, de quando era
corajoso, sem culpas cristãs, e não acreditava em maledicências que tentavam
nos separar
Claro que aceitei. O problema é que para quem está na
minha geração e nas de meus amigos, o que significa o ir lá atrás é ter de
entrar em um túnel do tempo forte, de algumas dezenas de anos. Tempo do filme
Túnel do Tempo. Do rock instigante. Tempo do gravador de rolo, da fita cassete,
do cabelo pigmaleão 70, das pulseirinhas coloridas de fio de telefone ou de
conchinhas. Sandália de pneu. Batik. Túnica. Ninguém tinha tatuagem, acreditem.
Fotos analógicas, aquelas tiras de contatos jamais
revelados que agora olhamos contra a luz tentando identificar os contornos,
guardados em envelopes compridos. Fotos já detonadas pelo tempo, sépia, com
mofinhos, retirada de caixinhas, álbuns decorados, porta-retratos guardados.
Tem de escarafunchar tudo. E aí é igual revisitar sua própria vida, sua
adolescência, "crescência".
Ninguém combinou nada, ao que eu saiba, mas pelo que
entendo está valendo tudo, desde que antigas, achados - desde quando se
entendeu como gente até quando começou um pouco da ascensão profissional.
Quando os rapazes tinham cabelos. Quando os cabelos eram naturais. A primeira
gravidez. O primeiro casamento, aquele amor jurado em barracas de camping,
portão de casa, férias de verão na praia. Quando tínhamos algum frescor. Quando
acreditamos, quando procuramos e escolhemos as imagens hoje, o quanto éramos
felizes outrora. Naquele dia. Naquele fato. Com aquele sorriso. Com aquelas
pessoas, muitas das quais até já não estão mais por aqui. Outras foram rasgadas
das fotos, ou recortadas cuidadosamente com tesourinhas.
Eu estou adorando ver o resultado desse desfile de
imagens. Legal lembrar de como as pessoas eram quando nos conhecemos. Os tempos
de faculdade. Os amores antigos. Como as pessoas se transformaram com os anos,
muitas para melhor; outras, nem tanto.
Legal ver a escolha e até a segurança de muitos em expor
momentos bem doidos, mas sempre muito especiais para cada um. Quando o corpinho
mostrado hoje vira um corpão, que arranca elogios como se de hoje fosse. Fixo
imaginando o quanto devem ser legais também as fotos que não estão sendo
mostradas, mas que passaram diante dos olhos nessa revisão. Penso e digo por
mim que ainda não cheguei nem perto das caixas maiores onde as minhas estão
guardadas. Só com as avulsas já fiz uma festa. Já lembrei, ri, chorei, me emocionei,
guardei de novo. Parei para pensar em cada um dos momentos.
Presenteei amigos enviando a eles fotos onde eles estavam
e que achei entre as minhas coisas. Uma delícia. Como foram parar lá, quando
foi esse click, sempre uma lembrança. Toca escanear para lhes dar mais tempo de
vida, a digital.
Esse desafio tem um saudosismo bem significativo no
momento em que vivemos. Percebo uma busca por autoestima, por um momento
nacional mais orgulhoso, por aqueles que fomos e sonhos que podem ter se perdido
por aí nessa estrada tão cheia de pedras da existência e coexistência humana.
Ou não.
Podem ter sido realizados e a gente até tinha esquecido
que antes - um dia - foram apenas sonhos.
"A saudade que dói mais fundo e irremediavelmente é
a saudade que temos de nós". (Mário Quintana)
Marli Gonçalves é jornalista do chumbogordo.com.br -
Histórias que dão filmes, quadro a quadro. Brasil, São Paulo, baús nas redes
sociais. 2017.
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