Iris Sinoti
Uma das denominações de sofrimento para os gregos é
“pathos”, de onde provém o termo “patologia”, utilizado para designar o estudo
das doenças e seus efeitos no organismo. O conhecimento do corpo humano, dos
seus desvios em relação à condição de normalidade, avançou consideravelmente
nos últimos tempos. Aparelhos modernos têm sido lançados, realizando exames de
alta precisão; câmeras e robôs auxiliam em cirurgias complexas proporcionando
precisão milimétrica; microscópios cada vez mais potentes fazem investigação avançada
em vírus e células doentes, auxiliando os profissionais e enfermos com
diagnósticos e terapêuticas modernas, dentre outros exemplos que podem ser
citados e que constatam os avanços que realizamos.
Mas será que
temos motivos para nos orgulhar desses avanços?
É certo que não podemos desconsiderar o progresso, mas
não parece ainda ser o tempo de celebrar. Isso se deve não somente por conta do
surgimento de novas enfermidades, que continuam preocupando a humanidade, mas
também por todo um quadro de miséria, violência, abandono e desumanidade que
ainda faz parte do nosso planeta. É que por trás das patologias que se
manifestam no corpo, atingindo nossas células e órgãos e diminuindo nossos anos
de vida, existem outras mais graves: as patologias da alma. E enquanto essas
não forem debeladas em sua raiz, as patologias do corpo continuarão a nos
atingir, pois em outras palavras: temos doenças porque ainda somos espíritos
doentes, e mesmo que encontremos a cura para algumas enfermidades, a distonia energética
do nosso ser atrairá novas formas de desarmonia.
Umas das
maneiras que as patologias encontram guarida em nosso ser é quando
desconsideramos nossa condição espiritual, e construímos uma existência pautada
em uma visão limitada da vida, visando atender os desejos egoicos. Com lentes
pequenas para ver e viver a vida, nossos objetivos miram o prazer imediato, as
conquistas momentâneas e as ilusões de todo porte.
Na falta de
um indicativo para o valor próprio, na condição de dissociados da própria alma,
elegemos o consumo na condição de “deus”. Compramos compulsivamente e
destruímos os recursos naturais de forma neurótica. Como bem ilustra o
psicólogo Waldemar Magaldi, adquirimos o “que não precisamos, com dinheiro que
ainda não temos”, e nos fingimos de satisfeitos, quando na verdade permanecemos
com um grande vazio interior, que nada de fora poderá preencher. Iludidos que
valemos pelo que possuímos, esquecemos as recomendações de um sábio Mestre: “de
que vale ganhar o mundo inteiro e perder a alma”.1
Nossa
patologia da alma prossegue quando negligenciamos a capacidade de amar. Não é à
toa que Joanna de Ângelis, em sua psicologia, chama a atenção de que “Na
causalidade atual dos distúrbios psicológicos, como naqueles anteriores, sempre
se encontrará o amor-ausente como responsável”2. Não nos amando e não amando
como deveríamos, não nos vinculamos à vida, e desperdiçamos o seu precioso dom
em objetivos pequenos e vidas superficiais. E a alma permanece uma ilustre
desconhecida. Talvez seja por conta disso que o sábio Sócrates já alertava: “É
da alma que saem todos os males e todos os bens do corpo e do homem em geral,
influindo ela sobre o corpo como a cabeça sobre os olhos. É aquela, por
conseguinte, que antes de tudo precisamos tratar com muito carinho, se
quisermos que a cabeça e todo o corpo fiquem em bom estado”3.
Mas, se pathos indica “sofrimento”, ele também é sinônimo
de “paixão” para os helenos. Talvez isso seja símbolo do que nos falta: para
curar o pathos do corpo, temos que nos conectar – apaixonar-se, no bom sentido
– pela nossa própria alma. Aí, então, poderemos celebrar a nova condição da
humanidade, e mesmo que tenhamos alguma doença, como condição natural da
humanidade, não seremos mais almas enfermas.
1 Evangelho de Marcos 8:36
2 Amor, imbatível amor. Editora leal.
3 Platão. Cármides.
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