CNBB
A descriminalização do aborto voltou a pauta nacional com a
convocação de uma audiência pública pela ministra do Supremo Tribunal Federal,
Rosa Weber, que analisa um pedido do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442.
A ação sustenta que dois dispositivos do Código Penal que
instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez afrontam a
dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade
da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento
desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres e os
direitos sexuais e reprodutivos.
Diante dessa realidade, o bispo de Osasco (SP) e presidente
da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB, dom João Bosco
Barbosa Sousa escreveu um artigo que mostra que vem sendo divulgados números
hoje sabidamente falsos sobre as estatísticas de abortos provocados.
Leia o artigo na íntegra:
Desde os anos 60, têm sido divulgados números hoje
sabidamente falsos sobre as estatísticas de abortos provocados.
Quando o Brasil contava com apenas 80 milhões de
habitantes, a revista “Realidade” (maio de 1966) publicava que se realizavam no
Brasil um milhão e quinhentos mil abortos por ano. Em setembro do mesmo ano, a
mesma revista descia aos detalhes: seriam exatamente 1.488.000 de abortos por
ano.
Na mesma época, quando os Estados Unidos contavam com 200
milhões de habitantes, o médico que coordenou a campanha pela legalização do
aborto em Nova York divulgava que se realizavam ali 1 milhão e meio de abortos
por ano. Mais tarde, após o aborto ter sido legalizado, ele declarou
publicamente que sabia que não passavam de 100 mil e que ele havia mentido, mas
afirmou também que ninguém lhe havia perguntado as razões do número apresentado.
Em 2003, o atual vice ministro da saúde do Uruguai declarou
em audiência pública no Senado que se realizavam no país 150.000 abortos por
ano. No ano seguinte, o número foi corrigido para 33.000 abortos por ano, mas
em 2006 já se falava em 52.000 abortos por ano. Próximo à legalização do
aborto, passou-se novamente a insistir na cifra de 33.000 abortos por ano. Mas,
após a prática ter sido aprovada pelo Congresso e quando o governo já declarava
que não mais se faziam abortos clandestinos no país, verificou-se que se
realizavam apenas seis mil abortos por ano no Uruguai.
Esse modo de tentar comprovar a necessidade de aprovar o
aborto tem sido recorrente quando da discussão sobre o aborto. Os promotores do
aborto sempre multiplicaram os verdadeiros números por 10 ou 20 vezes. O ardil
sempre funcionou porque ninguém foi conferir as razões dos números.
Ao tramitar no Supremo Tribunal Federal a ADPF 442, que
pretende declarar o aborto como um direito fundamental, repete-se a mesma
tática. Não podemos assistir o mesmo filme e repetir os mesmos erros. É
importante desmascarar uma impostura já conhecida e estudada, mas
principalmente afirmar que os verdadeiros números apontam para a necessidade de
políticas públicas com as quais as mulheres não precisam do aborto para serem
socorridas.
No dia 29 de junho de 2018, um Jornal publicou artigo em
que afirma ter obtido em primeira mão um levantamento que “consta de um
relatório do Ministério da Saúde que deve subsidiar o STF em ação que pede a
descriminalização do aborto”.
A notícia assegura que, no Brasil, se provocam 1 milhão e
200 mil abortos por ano. Sustenta, com base nestes números, que, em uma década,
o SUS gastou R$ 486 milhões com internações para tratar as complicações do
aborto, sendo 75% deles provocados. De 2008 a 2017, 2,1 milhões de mulheres
teriam sido internadas por este motivo. Este número inclui as internações por
abortos naturais e provocados, o que daria cerca de 200.000 internações por ano
por causa de abortos. É deste total que o Ministério da Saúde afirma que 75%
são de abortos provocados, o que representaria, por ano, 150.000 internações
por aborto provocado e apenas 50.000 por aborto natural.
Mas, como pode ser isto, se no Brasil nascem 2 milhões e
800 mil crianças por ano? Ora, os tratados de medicina afirmam que o número de
abortos naturais, que ocorrem, em sua maioria, na segunda parte do primeiro
trimestre, representam, em média, 10% do número das gestações. Neste caso, como
a grande maioria dos abortos naturais passa por internações hospitalares, somos
obrigados a afirmar que a grande maioria das 200.000 internações por aborto no
Brasil se devem a abortos naturais, e não a abortos provocados. Ademais,
confirma este número qualquer médico com experiência em pronto atendimento
obstétrico, que dirá que os abortos provocados representam, no máximo, e
possivelmente com exagero, 25% das internações por aborto. Assim, teríamos, no
máximo, 50 mil internações por ano de mulheres que provocaram abortos.
No Brasil, em 2010 e 2016, foram realizadas duas pesquisas
nacionais sobre o aborto, patrocinadas pelo Ministério da Saúde e premiadas
pela Organização Panamericana de Saúde. Estes estudos, intitulados “Aborto no
Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna”, encontraram que, de cada
2 mulheres que praticam o aborto, uma tem de ser internada.
Ora, no Brasil, temos 200.000 internações por aborto a cada
ano, incluídos aí os abortos provocados e os abortos espontâneos. Este número
está em diminuição há alguns anos, cerca de 10% ao ano, segundo o DATA SUS.
Os obstetras que trabalham em atenção emergencial nos
hospitais dizem, conforme já exposto, que a maioria dessas internações são de
abortos naturais. No máximo 25% seriam de abortos provocados.
Portanto, haveria, por ano, 50.000 internações por abortos
provocados, no Brasil. Então, como para cada dois abortos uma mulher é
internada, teríamos um total 100 mil abortos provocados por ano no Brasil.
Este número é coerente com os dados dos livros de
ginecologia e patologia, que dizem que cerca de 10% das gestações terminam em
aborto espontâneo entre o segundo e o terceiro mês. Vejamos: como no Brasil
temos 200 milhões de habitantes e 2.800.000 nascimentos por ano, o número de
abortos naturais deveria ser de aproximadamente 280.000. Sabe-se que a maioria destes
casos são atendidos em hospitais, para curetagem ou outros procedimentos. Este
número é coerente com as 200.000 internações por aborto no sistema de saúde.
Assim, quando se estima que a maioria das internações por
aborto se deve ao aborto espontâneo, além do testemunho dos médicos, temos uma
fundamentação estatística para isso. A estimativa de, no máximo, 25% de abortos
provocados nas internações por aborto, portanto, é provavelmente um número já
superestimado.
Além disso, temos os números do IBGE, em cuja Pesquisa
Nacional de Saúde de 2013 se encontra a relação entre o número estimado de
abortos espontâneos e de abortos provocados de 7,6 vezes mais abortos
espontâneos que abortos provocados. Não há indicação de como estes dados foram
calculados, mas é uma proporção de quase a metade do que supõem as estimativas
aqui trabalhadas.
Portanto, já com possíveis superestimações, o número de
abortos provocados deve ser estimado em metade das internações totais por
aborto, ou seja, 100 mil abortos provocados por ano, já provavelmente
superestimados.
Contudo, o IPAS, uma organização que promove o aborto
internacionalmente, e o Instituto Allan Guttmacher, que pertence à IPPF, uma
organização que é proprietária da maior rede de clínicas de abortos do mundo,
dizem o contrário: que se deve multiplicar este número de internações por 5 ou
por 6. Com isso, obtém-se as cifras de aborto para o Brasil entre 1 milhão e 1
milhão e meio de abortos por ano.
Este multiplicador é semelhante ao que o Dr. Bernard
Nathanson, o articulador da legalização do aborto em Nova York em 1970,
utilizou pela primeira vez, quando sabia que os abortos provocados nos Estados
Unidos eram, no máximo, 100 mil, e disse para a imprensa, com a intenção de
promover a legalização do aborto, que eram 1 milhão e meio, sem dar
justificativas, cifras que, aliás, ninguém questionou. Naquela época a
população americana era de 200 milhões, igual à do Brasil de hoje.
Mas no Brasil, desde os anos 60, quando nossa população era
de 80 milhões, já se afirmava que se faziam 1 milhão e meio de abortos por ano.
Quem divulgava estes números era a filial da IPPF no Brasil, chamada Benfam. O
número nunca foi justificado.
Este número continuou a ser apresentado inalteravelmente
até hoje, porém, as instituições que realizaram em 2010 o estudo “Aborto no
Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna”, ao repetirem seu estudo
em 2016, diante do fato que os movimentos em favor da vida já estavam
apresentando os dados corretos, encontraram um modo de calcular este número não
mais em 1 milhão e meio, mas em 412 mil por ano.
O argumento utilizado para fundamentar este número, que
agora seria de 412 mil abortos, foi que, em 2016, teriam sido entrevistadas um
total de 2002 mulheres entre 18 e 39 anos, das quais 251 teriam dito ter feito
um aborto e, entre estas 252 mulheres, 27 teriam dito ter feito aborto em 2015,
ou seja, 1,35% do número total das 2002 mulheres. Portanto, como há cerca de 37
milhões de mulheres com idade entre 18 e 39 anos no Brasil, multiplicando este
número por 1,35%, obteríamos um total, segundo o estudo, entre 400.000 a
500.000 abortos provocados por ano.
Porém, o que não se consegue explicar é: por que se dizia
que este número era de 1 milhão e meio até a pouco tempo? E por que agora o
Ministério da Saúde, que patrocinou estas duas pesquisas, volta aos mais de um
milhão de abortos por ano, segundo as tabelas oferecidas ao STF, que a Folha de
São Paulo afirma ter copiado em primeira mão?
Mas, mesmo se um número de 400.000 fosse verdadeiro, então,
neste caso, como as duas pesquisas constataram que, de cada duas mulheres que
provocam aborto, uma é internada, teríamos de ter 200.000 internações por ano
somente por aborto provocado no sistema de saúde. Se o número de abortos
naturais é bastante maior que o de abortos provocados, consequentemente, teríamos
que ter um número total de internações por aborto em torno de 800.000 ao ano,
um número que não se verifica. Além disso, se no Brasil tivéssemos 800.000 de
internações por aborto por ano, deveríamos ter cerca de 7 ou 8 milhões de
nascimentos por ano, o que também não se verifica.
Segundo os próprios dados oferecidos pelas pesquisas dos
defensores do aborto, esses números são flagrantemente insuflados e não podem
corresponder à realidade. Se o Ministério da Saúde ofereceu este relatório ao
STF e ao Jornal, isso já não sabemos.
Contudo, poderia restar, ainda, uma dúvida. E se estes
números apresentados pela Folha ou pelos movimentos a favor do aborto fossem
verdadeiros, não deveríamos legalizar o aborto para solucionar o problema?
Ora, uma eventual pergunta como esta nos parece apenas
fruto da incapacidade de entender a realidade das coisas e da própria
obstinação em se legalizar o aborto. Números não são apenas números, números
sempre são sintomas de alguma realidade que seria a sua causa. A própria
pergunta mostraria a incapacidade do autor em compreender a irrealidade que
estaria por detrás destes números. Se, de fato, as mulheres brasileiras
praticassem estes milhões de abortos clandestinos por ano, mais do que um
problema de saúde, isso seria sinal de uma desintegração social sem proporções,
uma situação que exigiria reformas estruturais imediatas e profundas,
semelhantes às que ocorreriam em uma situação de pós-guerra. Ninguém, a não ser
um ativista que pensa apenas na causa e, por causa disso, sua paixão não lhe
permite captar a realidade, pensaria em oferecer a legalização do aborto como
solução para reconstruir um país socialmente desestruturado por uma calamidade.
Ademais, dadas as consequências psiquiátricas traumáticas reconhecidamente causadas
pelo aborto, a magnitude de um número como este, aumentando entre 10 a 20 vezes
a realidade do país, significaria a existência uma realidade social tão
nitidamente desumanizada e aterradora, que não haveria sentido em nos
indagarmos sobre a legalização do aborto, e sim, ao contrário, em como
deveríamos reconstruir positivamente o tecido social.

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