Edson Vidigal
Daqui a pouco menos de quatro horas, o irreversível.
Sem adiamentos ou eventuais atrasos, imaginar que o
inesperado traga uma surpresa e então o avião da Lufthansa não decole, nem pensar.
É confiar o invisível da bagagem a um baú da memória e ir
se plugando nas realidades novas e nas antigas que se misturam e se enfileiram
enquanto outras muitas, mas muitas mesmo, são atiradas aos lodos do
esquecimento pelos filtros da história.
O olhar da mente transborda lucidez quando sem saudade
alguma, na calmaria da distância, um sentimento, misto, talvez, de afeição e de
responsabilidade, se transmuda em lucubração sobre o alcance das maledicências,
incertezas e bobagens insistentes com quais os mais espertos se aproveitam
generalizando a mediocridade e atazanando o País.
Sei que aqui, na Alemanha onde estou por estas poucas
horas, houve um tempo em que a insensatez delirante anuviando realidades e por
incrível obnubilação levou a maioria das pessoas a excitações coletivas até que
enfraquecida, a memória perdeu a razão.
Coletivo sem pensar aquiesce sempre que um só pense, ou
nem pense, mas decida tudo sozinho. A história repete sempre a mesma lição de
que nada acontece de repente. Tudo resulta de longa maturação.
O Czar Alexandre II acabou com o regime de servidão que
mantinha sob os grilhões do trabalho escravo mais de 22,5 milhões de
camponeses, mas isso não acalmou as novas gerações animadas pelos eflúvios
crescentes das ideias libertárias que já se espraiavam da França pela Europa
inteira.
A devastação da 1ª Grande Guerra Mundial, cujo fim há
exatos 100 anos, impôs humilhações terríveis à Alemanha derrotada, sem meios de
produção, economia no chão, instituições políticas no fracasso, a população sob
o desespero do desemprego, da inflação galopante e da fome, isso tudo serviu de
adubo para florescerem a violência das intolerâncias ideológicas e racistas e
da radicalização entre comunistas e nazistas.
A poucos metros à minha frente, nesta quase avenida, num
dos maiores e mais movimentados aeroportos do mundo, este de Frankfurt, um
monumento a Ghoete atrai atenções. Advogado, filosofo, estadista alemão do
Sacro-Império Romano-Germânico. Importantíssimo na literatura alemã e no
romantismo europeu.
Adiante desponta algo como que um grito parado no ar, a
logomarca da Bayer conhecida no mundo todo. Poucos sabem que se trata de uma
das maiores financiadoras das campanhas políticas de Hitler estando entre as
dez que mais cresceram e lucraram sob o regime nazista.
A Alemanha destruída pela fúria nazista levando o mundo à
2ª Grande Guerra ressuscitou das cinzas e quanto ao mais, dispensável dizer que
é hoje um grande exemplo de democracia e prosperidade para a raça humana no
planeta terra.
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior
Tribunal de Justiça e Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Fez escala em
Frankfurt, Alemanha, na viagem de volta de Moscou para o Brasil.
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