quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A piaba de Pericumã


A piaba de Pericumã

Por Hélcio Silva

Eu vinha da quitanda de Dona Helena. Pras bandas onde moro ainda há quitanda.

Retornei à minha residência trazendo um abacate, que havia comprado lá...

Era meu plano, ao chegar em casa, escrever um artigo sobre a dívida pública do Maranhão. Escancarar ao povo da minha terra o tamanho da pobreza em que o então governador Flávio Dino deixou o Estado, um dos mais pobres do país.

Flávio não merece o meu reconhecimento político: foi o pior governador que o Maranhão já teve...  

Abrindo meu notebook, logo que cheguei da quitanda, encontrei um texto na página do facebook do meu querido amigo Rubem Brito, homem público que bons serviços prestou ao Maranhão, ex-vereador e ex-deputado estadual, narrando uma história que retrata a pobreza do nosso povo.

O texto referido, pelo qual entendi, é de autoria de Caroline Laramendi, muito bem lembrado para publicação pelo nosso amigo Rubem Brito.

O texto é um depoimento emocionante...

Leia o texto abaixo:

"No Brasil real, Seu João, vamos chamá-lo assim, vive da pesca da piaba, um peixe minúsculo, abundante nas águas calmas do Rio Pericumã, vendendo por R$ 3,00, isso mesmo, três reais, o quilo, lá em Pinheiro, na região conhecida como Baixada Maranhense. Num dia de pesca boa, ele ganha 30,00 ou 40,00, dos quais retira seu sustento e de sua família. Um pelo outro, dia bom e dia ruim, não passa de 600,00 sua renda. Na moeda dos economistas, são em torno de U$ 4,00 dólares por dia. Quando as águas baixam, essa conta cai pela metade.

Nem sabe dizer desde quando mora nessa casa, tendo quase certeza que nasceu ali. Nunca foi à escola, nunca aprendeu a ler. Seu mundo é visual e verbal. A catarata prejudica sua visão e ele não mais fala a língua que jurava saber de cor.

Seu João precisou da Justiça, basicamente porque precisa aposentar-se: a pesca ficou perigosa e os braços não conseguem mais empurrar o remo da canoa. Na sua vida, tudo se move à tração humana: a água da cisterna, o bote, o peixe, o candeeiro.

O juiz - de muita pompa - exigiu que ele, para obter a gratuidade judiciária, deveria apresentar o extrato do cartão de crédito e um comprovante de pagamento de luz.

Nunca teve luz elétrica e a luz que o alumia vem do sol e da Lua, que ontem brilhava magnificamente em Pinheiro. Nunca soube o que é crédito, jamais alguém lhe deu algo parecido, tudo que compra é à vista e em dinheiro, muito pouco dinheiro.

O jovem advogado juntou a foto e um verso:

“Como eu não sei rezar,

Só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar…”

O juiz que vive no Brasil formal não compreende a dor de Seu João, nem sabe o que é uma piaba, muito menos sabe o que significa receber 3 reais pelo trabalho.

Seu João resignadamente espera, mesmo sabendo que não há a esperar do juiz burocrata.

Na petição, apenas, “serve essa foto?”















“É tudo o que ele tem.”

Termos em que

Pede Deferimento.

O juiz ainda não decidiu."

*****

Caroline Laramendi


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.

Busca