A população brasileira tem o direito de exigir que o
espírito olímpico tome conta da cabeça e do coração dos governantes e dos
construtores da sociedade.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
Mergulhada ainda em graves crises, a sociedade brasileira
precisa refletir a respeito dos legados das Olimpíadas. Há uma avaliação de que
foram alcançados alguns avanços em infraestrutura. Porém, os ganhos poderiam
ser maiores se a medalha de ouro sonhada pelos governantes fosse o bem do povo.
Os legados na cidade-sede são, de certa forma, incontestáveis, embora tenha se
propalado, aos quatro ventos, que havia uma “quebradeira” na administração
pública, por falta de recursos. Isso, na verdade, induziu o Governo Federal a
investir mais na realização das Olimpíadas, priorizando evento de tamanha
importância social e política para o Brasil. Essa jogada de ouro faz pensar: demandas
urgentes e óbvias, em diferentes regiões do país, relacionadas às estradas,
habitação, mobilidade, saúde e educação merecem tratamento semelhante, com
rápidas respostas.
A população brasileira tem o direito de exigir que o
espírito olímpico tome conta da cabeça e do coração dos governantes e dos
construtores da sociedade. A meta deve ser a medalha de ouro que consiste na
priorização daquilo que, efetivamente, promove o desenvolvimento de todas as
regiões do Brasil, sem discriminações.
Virar as costas para quem precisa mais, na ilusão de que o país alçará
voos maiores com número reduzido de localidades estratégicas - que teriam
prioridade na destinação de recursos - é grave erro. As regionalidades do
Brasil, com suas dimensões continentais, riqueza impactante, merecem
tratamentos específicos e investimentos adequados.
Por isso mesmo, é necessário que administrações e
intervenções governamentais sejam aliadas a ações mais competentes dos
políticos de cada região e microrregião. Esses representantes do povo devem
cultivar um espírito olímpico que os faça lutar pelo bem de seus eleitores,
evitando conchavos que objetivem resguardar privilégios de pequenos grupos ou
garantir a longeva ocupação de cargos por quem não está capacitado para
liderar. São pessoas incapacitadas justamente por terem perdido a credibilidade
e por estarem distantes da vida do povo, sem conseguir proporcionar melhorias
para o seu Estado e microrregião. Gente
que se contenta em viver na mediocridade, sem força para promover mudanças
culturais maiores, ou para valorizar riquezas que estão tão evidentemente à
vista, a exemplo dos patrimônios religioso e ambiental.
O pódio que consiste no desenvolvimento integral não pode
ser alcançado quando se caminha a passos lentos, no estreitamento e na
pequenez, sem fazer da luta do povo a própria luta. Assim, oportunidades são
perdidas. E o pior: nesse cenário a cultura perde força e se torna incapaz de
impulsionar a sociedade rumo a novas direções, a partir da reconfiguração de
hábitos, da compreensão e tratamento adequado dos bens ligados à própria
história, ao patrimônio ambiental-paisagístico-religioso. Permanece uma dinâmica que inviabiliza
avanços nos índices de qualidade social e educativa. Para reverter esse quadro,
é oportuno alimentar o espírito com as propriedades do que é olímpico e,
consequentemente, buscar desempenhos melhores, resultados mais adequados, com a
meta de conduzir ao pódio a própria região.
Os legados das Olimpíadas a uma cidade são consideráveis.
Inclusive no que se refere à projeção internacional. Porém, o sonho fantástico
da abertura dos Jogos Olímpicos, a beleza da harmonia que se verifica nas
diferentes modalidades, a quebra de mitos e preconceitos, relacionados a
doenças e a violências, apontam que as heranças mais significativas das
Olimpíadas para o Brasil são as lições inspiradas no espírito olímpico. Elas
indicam a importância da disciplina e da coragem para suportar a exigente
tarefa de configurar um tecido cultural mais consistente na sociedade
brasileira.
Emoldurando o horizonte dessas lições a serem aprendidas e
praticadas, aparecem as exemplaridades de Martine, Kahena, Thiago, Robson e
Rafaela, de tantos outros atletas que superaram dificuldades para representar o
Brasil. Há de se imaginar a revolução que pode ocorrer se políticos,
magistrados, formadores de opinião, religiosos, construtores da sociedade,
educadores, todos, se nutrirem com o espírito olímpico e, desse modo, vencerem
a estreiteza perversa e buscarem a medalha de ouro do bem comum, do povo e sua
cultura valorizados e da igualdade solidária.
Se cada pessoa agir com espírito olímpico, a sociedade brasileira poderá
contabilizar, mais amplamente, os legados das Olimpíadas.
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