José Maria Couto Moreira
O senador Renan Calheiros, como bom nordestino (aquele que invoca em momentos altos os ditos e a sabedoria recolhida no sertão), travestiu-se de Espírito Santo para transmitir e sensibilizar seus pares a concederem indulgência cívica à presidente já apeada de seu cargo. Renan deu uma no cravo e outra na ferradura. Havendo votado pela procedência do processo de impedimento contra Dilma Roussef, conveio à sua consciência política alertar e pedir a seus colegas que declarassem a generosidade de conceder à acusada a possibilidade de reiniciar sua caminhada política, o que, afinal, registrou o placar do plenário. Para o proponente desta compaixão à acusada lê-se que a queda, que é um infortúnio, não pode emendar-se com o coice, para não compor uma tragédia.
A par de que essa benemerência amenizou os petistas mais
exaltados e reabriu ao PT a possibilidade de Dilma reencetar seu temerário
périplo político (Deus não o queira), mais surpresa causou o novo entendimento
pelo qual se desatrelou o impedimento, que é a destituição do cargo, objeto
único de todo o processo, da perda de seus direitos políticos por oito anos.
Não se podia, a bem da verdade e da melhor técnica, dissecar a decisão final,
pois a perda de direitos políticos não chega a ser pena acessória, mas a
própria pena, inovando o Senado Federal no esquartejamento de um dispositivo
uno, que é o impedimento de permanecer à frente do governo jungido à pena que o
completa, que é a perda dos direitos políticos. A procedência do processo de
impedimento é alcançada com a certeza ou o reconhecimento dos juízes de que se
cometeram os crimes de responsabilidade previstos na Lei Maior e na legislação
infraconstitucional, precisamente os enumerados na lei de responsabilidade
fiscal e os dispositivos da legislação orçamentária indicados na petição
inicial. A perda dos direitos é decretada a seguir como o prejuízo material que
deveria suportar a acusada pelas infrações que rebeldemente ou ousadamente
cometeu. Por isso, há o objeto e sua consequência, isto é, a convicção da
prática dos crimes e a pena subsequente. O Senado, assim, não julgou como
Salomão. A pena que seria imposta à acusada não podia desgarrar-se da decisão
principal, senão a compaixão por Dilma poderia anular a sessão. São premissas
indissociáveis a investigação e apuração das infrações administrativas com a
proibição de continuar a governar, ou manter-se no cargo, com a pena que lhe é
subsequente.
O pior, leitores, é que se criou um precedente perigoso,
pois há questão que pode desaguar em entendimento análogo em processo
tramitando na Câmara dos Deputados, acompanhado com interesse, aliás, pelo
povo.
A pena de perda dos direitos políticos não poderia faltar
à sentença (é seu complemento), sob o risco de quebrar-se a unidade da previsão
constitucional que ensejou o processo de impedimento. O par. único do art. 52
da C.F. não enseja a mínima dúvida, associando a condenação da perda do cargo
com a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. Há,
pois, visivelmente, a presença no texto do legislador originário, cujo espírito
zelou pela punição completa do acusado, punição em que o círculo se abre com a
condenação e se completa com a inabilitação.
No direito penal comum, o reconhecimento da culpa não
para por aí. É daí que se tempera a pena, que pode ser acompanhada de sansão
para leigos acessória, porém contém-se em uma só, embora se possa impor
cumulativamente privação de liberdade, restrição de direito e multa.
Na persecução penal, felizmente, depois da queda, com
certeza vem o coice.
José Maria Couto Moreira é advogado.
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