Marli Gonçalves
Mãos ao alto! A bolsa ou a vida! – ah, agora nem tem mais
isso. É a frio mesmo, ou com aquele linguajar de “mano”: perdeu. O mundo está
virado. As pessoas estão loucas. Loucas e inseguras, em todos os lugares. Nos
centros urbanos. Nas cidades do interior as explosões viraram rotina. O medo
impera em todas as classes sociais, e a morte pode vir por nada. Ou por tudo
isso.
Mas não se preocupem. Os seus problemas acabaram. O governo
acaba de anunciar a criação de mais um órgão, instituição, elefante branco, ralo,
nome, título pomposo – você escolhe como quer chamar o tal SUSP – Sistema Único
de Segurança Pública, seja lá o que isso queira dizer. Se acompanhar seu irmão
da Saúde, o SUS, já viram em que brejo estaremos.
Vai fechando a garganta e agora piora porque a gente
assiste ao crime, várias vezes, com vários ângulos, gravados por câmeras - às
vezes até da própria vítima - espalhadas pelas cidades que ainda são burras.
Câmeras, quem sabe um dia se por ventura nos transformarmos em cidades
inteligentes poderão servir para garantir sobrevivência, não só registrar o que
já está virando até certo sadismo. Algumas tevês ainda editam ou cortam partes
mais violentas, outras aumentam a audiência mostrando tudo, ad nauseam,
repetidamente, com apresentadores babando em cima.
Teve bate-boca severo por aí esses dias, com o caso da PM
que, certeira, detonou o peito do ladrão na porta da escola onde estava com a
sua filha. Houve outros casos de reação, mas esse foi emblemático, porque era
uma mãe, policial, loura, véspera de Dia das Mães, e ainda homenageada com
flores pelo governador em ano de eleição; tudo bem enganchado, como se fala na
linguagem jornalística.
Quem em sã consciência pode criticar? Há muito não via uma
legítima defesa tão bem executada, exímia. O problema é que isso está dando
margem para a volta dos dinossauros, dos trogloditas que ficam atirando
insanidades de seus computadores, e acabam apoiando e piorando essa terrível
escalada da violência – o bang bang - em que vivemos, ressalte-se que não é só
no nosso país. Mas aqui temos mais ignorantes de plantão ou, pior, nas ruas,
como candidatos, se aproveitando da aflição alheia.
Não há seriedade em torno de soluções. A intervenção no Rio
de Janeiro - e as alarmantes ocorrências diárias contínuas com aumento de 86%
de tiroteios, por exemplo - demonstrou ainda que não há também respeito a
qualquer farda, nem verde. Virou um pega para capar. Uma caçada cruel. Bandidos
X policiais X cidadãos, em todas as ordens dos fatores.
O buraco, que não é só o da bala, é mais embaixo. Não há
políticas públicas ou sociais que analisem os fatos, a expansão das
organizações criminosas, as regras penais, socialização, corrupção de
autoridades. Pensam em criar verbas para segurança expandindo nada mais nada
menos do que os jogos de azar, loterias. Deve vir algum também dos senhores das
armas e suas empresas de calibres mortais.
Enquanto isso, as pessoas por aí pensam em se armar para
enfrentar o clima de Velho Oeste, os arrastões nos saloons, defesa de seus bens
e propriedades. Daqui a pouco algum gênio da raça vai propor a distribuição de
vistosas e brilhantes estrelas de xerife.
Para se armar, tem de saber o que é uma arma, como se usa,
onde guardar, e ter a cabeça no lugar. Há muitos anos, ainda no Jornal da
Tarde, fiz um curso de tiro (e modestamente creio que ainda atiro bem) para uma
reportagem sobre o assunto. À época estava frequente a morte de adolescentes
que esqueciam a chave para entrar pé ante pé em casa de madrugada, e de
crianças, mortas pelos próprios pais e suas pistolas guardadas debaixo do
travesseiro. O coitadinho sentia medo no meio da noite, ia pedir achego na
caminha e tomava um tiro, ali na porta do quarto, confundido com invasores. Vi
muitos casos.
Temo uma nova onda de armamento. Nunca tive problemas com
armas, que meu pai usava e sempre me ensinou o perigo delas. Mas gosto mesmo é
de lembrar de minha mãe se defendendo com boas panelas na mão, ou com tamancos
de madeira que tirava rápido dos pés quando alguém mexia com a gente.
Marli Gonçalves, jornalista – Apenas para lembrar: há
profissões que obrigam a jamais recuar diante do perigo ou de algum fato, mesmo
não estando em serviço. Médicos devem se apresentar. Jornalista é outra delas –
o dever de denunciar malfeitos é juramento (espero que os novos profissionais
saibam disso). Os policiais também o são 24 horas, fardados ou não. Não tem nem
conversa.
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