O rompimento da barragem de Brumadinho deve ser investigado
como "um crime", afirmou à BBC News Brasil o relator especial das
Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak.
"Esse desastre exige que seja assumida
responsabilidade pelo o que deveria ser investigado como um crime. O Brasil
deveria ter implementado medidas para prevenir colapsos de barragens mortais e
catastróficas após o desastre da Samarco de 2015", disse Tuncak, em
referência à tragédia de Mariana.
Segundo o relator da ONU, as autoridades brasileiras
deveriam ter aumentado o controle ambiental, mas foram "completamente pelo
contrário", ignorando alertas da ONU e desrespeitaram os direitos humanos
dos trabalhadores e moradores da comunidade local.
"Os esforços contínuos no Brasil para enfraquecer as
proteções para comunidades e trabalhadores que lidam com substâncias e resíduos
perigosos mostram um desrespeito insensível pelos direitos das comunidades e
dos trabalhadores na linha de frente", disse o especialista.
Até o momento foram confirmadas 58 mortes, das quais 19
corpos foram identificados. Pelos menos 305 vítimas seguem desaparecidas.
Tuncak ponderou que a "investigação ainda está em
andamento" e que por isso a ONU ainda não pode "comentar sobre as
lacunas específicas de proteção" para apontar conclusivamente quais erros
levaram à tragédia de Brumadinho, mas ressaltou que a postura brasileira é
particularmente "preocupante".
"É particularmente preocupante que especialistas
ambientais e membros da comunidade local tenham expressado preocupação sobre o
potencial de rompimento do barragem de rejeitos" e que o Brasil tenha
ignorado esses alertas, avaliou Tuncak.
"O Brasil deveria ter, muito antes, assegurado o
monitoramento efetivo da barragem, incluindo registros robustos da toxicidade e
outras propriedades do material sendo descartado, implementado sistemas de
alerta precoce para evitar a perda de vida e contaminação no caso da barragem
se romper", disse.
"Nem o governo nem a Vale parecem ter aprendido com
seus erros e tomado as medidas preventivas necessárias após o desastre da
Samarco", criticou.
Alerta sem resposta
De acordo com as Nações Unidas, em julho de 2018, cinco
Relatores Especiais da ONU e um Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos
Humanos expressaram ao governo brasileiros preocupação com a situação ambiental
da mineração no país.
Eles temiam que o Brasil não tivesse tomado medidas
adequadas para fornecer uma solução eficaz ao descaso que resultou no desastre
da Samarco – companhia que tem como donas a mesma Vale e a a anglo-australiana
BHP.
Em resposta, o governo não indicou quais medidas práticas
estavam sendo implementadas para evitar a recorrência de uma tragédia como a
que atingiu Mariana naquele ano.
À BBC Brasil, a ONU informou que o governo brasileiro
ignorou solicitações de visita feitas pelos relatores especiais.
"O Sr. Tuncak solicitou repetidamente um convite do
Brasil para visitar o país e Minas Gerais, em especial, para avaliar as medidas
tomadas pelo governo e empresas para proteger os Direitos Humanos de tais
desastres catastróficos. (…) Ele não recebeu sequer uma resposta às
solicitações de convite."
As últimas cartas enviadas pelo relator foram protocoladas
em 7 de agosto e 7 de dezembro de 2018. A tentativa derradeira foi enviada
cerca de seis semanas antes da tragédia.
O relator também expressou preocupação com a situação
enfrentada por defensores do meio ambiente, trabalhadores e comunidades que
tentam defender seus direitos frente à indústria da mineração.
"Estou profundamente preocupado com relatos de que o
governo estaria tentando deslegitimar os defensores ambientais como sendo uma
suposta ameaça econômica, ou uma conspiração estrangeira", afirmou.
"O governo deveria proteger esses defensores e
respeitar seu direito à liberdade de expressão e de associação, valorizando a
contribuição essencial que eles fazem para promover o desenvolvimento
sustentável e os direitos humanos", reforçou.
Tragédia anunciada
Tuncak questionou a previsibilidade da tragédia, porque a
instalação dos trabalhadores foi construída em um local evidentemente
vulnerável. "É questionável porque onde a instalação para os trabalhadores
foi construída estava abaixo da barragem de rejeitos, considerando a clara
existência de tal risco (de rompimento)."
"Os números chocantes daqueles encontrados mortos e
desaparecidos apontam que este é um dos piores desastres da indústria de
mineração na história. O que é particularmente notório é a aparente falta de
medidas preventivas tomadas pelo governo e pela empresa ao longo de 3 anos após
o desastre da Samarco", disse.
Tuncak ressaltou que já em 2012 a ONU havia preparado um
relatório sobre o tema da mineração e do risco das barragens de rejeitos, mas
que a indústria da mineração parece insensível aos apelos por maior
sustentabilidade.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, OIT,
que monitora globalmente acidentes de trabalho, "esse é o pior desastre de
barragem de rejeito da década".
A organização não forneceu estatísticas específicas sobre
as tragédias mais mortais, porém afirmou à BBC News Brasil que já houve no
passado tragédias superiores à de Brumadinho.
Em 2004 o Brasil ratificou a convenção da OIT de 1995 para
"segurança e saúde nas minas". Apesar da conformidade com os tratados
internacionais, segundo Tuncak são "inúmeros" os casos de impunidade,
"onde pouca ou nenhuma responsabilidade é encontrada", diz.
De acordo com o relator, os moradores das regiões
exploradas raramente são beneficiados pela operação extrativista. "Os
benefícios econômicos dessas indústrias dificilmente são compartilhados com as
comunidades sujeitas a abusos de seus direitos, devido à poluição tóxica e
outras formas de degradação ambiental."
"O setor de mineração tem uma longa história de abusos
dos direitos humanos a partir dos riscos e conflitos inerentes que cria. O
legado tóxico dos projetos de mineração em todo o mundo – incluindo o
catastrófico colapso de barragens de rejeitos – impacta os direitos humanos à
vida, à saúde, ao trabalho seguro, à água potável, aos alimentos, e a um
ambiente saudável", resume.
Segundo ele, o Brasil precisa "garantir que suas leis,
políticas e práticas" respeitem os direitos das comunidades e
trabalhadores que enfrentam "riscos tão graves".
"O Brasil não pode retroceder em sua obrigação de
proteger os direitos dos trabalhadores e comunidades locais, que continuam a
enfrentar riscos excessivos devido à mineração e outras indústrias
extrativas", defendeu.


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