Marli Gonçalves
O pescoço e os ombros latejam, tal a tensão. Qualquer som
mais forte, estampido, assusta. Pensamentos atormentados toda hora, por mais
distante que esteja dos acontecimentos dos quais se têm notícia todo dia, toda
hora. Quer se divertir, manter o humor, mas sente-se culpado. Não pode se
isolar do mundo, nem deixar de inquietar-se em observar que a decepção se
alastra, e com razão
A intuição apita, como se em constante alarme. Responde que
está tudo bem, porque já é praxe, e porque se fosse contar que não, algum
detalhe, talvez ficasse mesmo falando sozinho. Parece que ninguém mais ouve
ninguém até o fim de uma frase; aliás, ninguém mais nem lê nada direito, até o
fim, quer brigar de cara. Se houvesse um exame de interpretação de textos, uma
grande parte seria reprovada. Aquela expressão “andar com pedras na mão” nunca
foi tão visível pelo menos que possa lembrar. Tá cheio de gente andando com os
braços carregados delas, para jogar na Geni, na Maria, no João…Em mim, em você.
Isso não vai dar certo. A crescente toada de uns contra os
outros, e inclusive pelos motivos mais banais e bobos, com demonstrações cabais
de ignorância e intolerância cada vez mais frequentes, transforma rapidamente o
país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, em um território
minado.
A gente percebe que está com a sensibilidade bem avariada
quando as reações saem do controle, por mais que esforce em manter alguma
frieza. Pode sofrer e começar a chorar até vendo propaganda, especialmente se
for de banco, perguntando o que pode fazer por você hoje. Ouve uma música e o coração aperta. Toca o
telefone – e como ultimamente parece que ninguém liga mais para ninguém, só
uatizapa, o som faz estremecer.
O inconsciente coletivo está perturbador. Doente e atingido
por um bombardeio, no meio de acontecimentos trágicos. Aparece a dialética do
bem e do mal, sem canais de vazão. Ou está comigo ou contra mim, sem variações,
e assim ninguém poderá entrar em acordo.
Não é mais nem possível brincar que pode ser a água que
bebemos; parece o ataque de um vírus, como aqueles dos filmes, e que observamos
– sem poder fazer nada – avançando, contaminando amigos, familiares,
autoridades, crianças, jovens. Vem se perdendo a noção do convívio, da
temperança, do respeito, e a cultura da paz é capaz de estar se escondendo
apenas nos portais dos templos que abrigam pessoas mais iluminadas, apavoradas
e impotentes.
Depois de uma semana difícil como essa, marcada pelo sangue
espalhado nos corredores de uma escola em uma pacata cidade do interior, não há
como ficarmos alheios que se vem tirando cada vez mais o valor da vida, e numa escalada mundial
repetida agora aqui no país do brasileiro cordial, conceito desenvolvido por
Sergio Buarque de Holanda, e que vem
sendo soterrado progressivamente.
Nos últimos anos, a política nacional, os transtornos, a
corrupção, os embates entre os poderes, a perda de valores e a confusão ética,
a pouco esclarecida globalização seguiram criando uma inequívoca reunião de
grupos, rede de amigos que nunca se conheceram; patéticos, antes anônimos,
tornadas celebridades influentes. O
inimigo ficou invisível e se esparramou. Os idiotas, unidos, tornam-se um
enorme perigo, carregando a hipocrisia, o conservadorismo, desejando novamente
tudo o que juramos que jamais de novo ocorreria, escorraçar os avanços obtidos
com tantos esforços.
O Brasil hoje não está nem um pouco razoável. Está
indefinido, inseguro, sem personalidade, parado, esperando o que vai dar no
meio do abalo dessa já visível decepção – mas que alguns ainda violentamente
teimam em não admitir, caminhando em meio aos tropeços vistos, ouvidos e
executados. Mudanças esperadas que não vieram e estão com todo jeitão de que
não virão, pelo menos não desse horizonte atual que foi desenhado com tanta
compreensível esperança.
Os brasileiros cordiais precisam retomar seus postos.
Marli Gonçalves, Jornalista – Intuição apitando.
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