segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

A ZONA DO BAIXO MERETRÍCIO

Internacional / SEMANA LITERÁRIA

O incrível texto de Ubiratan Teixeira, "MERETRICIO COMO INSTITUIÇÃO"

Esse épico texto está às primeiras páginas do livro "ZBM: o reino encantado da boêmia", do inesquecível José Ribamar Sousa Reis.

15/01/2023

Do Facetubes

Por: Mhario Lincoln / Fonte: Ubiratan Teixeira


A ZONA DO BAIXO MERETRÍCIO

*Mhario Lincoln

É incrível como há mudanças insofismáveis na vida, na quietude e na inquietude do complexo rolar do tempo. E é essa a temática que consigo vislumbrar nesse trabalho incansável de meu amigo Ribamar Reis (José Ribamar Sousa Reis), cuja obra, ZBM: o reino encantado da boêmia, integrou a famosa coleção "Memórias da Cidade". Vale relocar o texto de orelha que fala dessa grandiosa manifestação de apreço pela cidade, pelos seus, e pela magia ludovicense em cada canto da proa da saudade.

"(...)

O QUE É A SERIE MEMORIA DA CIDADE?

Em cada canto, recanto da Ilha de São Luis, reluzem encantos, belezas e encantarias das ciras ebeiras, uma verdadeira seqüència de monumen tos colossais. Beleza entre pedras de line, sobrados casarões coloniais, becos, ladeiras e vitrais que, apesar de tanta riqueza histórico-cultural, quase nada tem registrado em algum documentário, com a finalidade de informar as gerações futuras elou aquelas pessoas que chegam, sedentas de conhecer os encantos, as lendas, as ruas, praças e largos desta cidade quase quatrocentona, onde seus azulejos e logradouros diversos formam rimas me lódicas de um imenso poema, que é São Luis e todos os seus arrabaldes. Ilha repleta de lindas praias, bumba-boi, tambor-de-mina, tambor-de-crioula, componentes de um conjunto cultural sem igual, reconhecido aqui e além-mar, como Patrimônio do Mundo.

Assim, no intuito de somar e gravar para a história com reflexos e reflexões, visões, cantos e encantos da cidade de São Luis, propõe-se aqui contar um pouco doso com lirismo e olhar repleto de maranhensidade, não se dirigindo tão somente aos aspectos geo-politicos. Mas a alma co sabor dos bairros, ruas, botequins, bares, vilas e quebradas, restaurantes, matracas, pandeirões e tambores, terreiros, cultos e igrejas, ambientes e paisagens de um multicolorido ate niense impar e essencial. Somados a personagens reais, que comporão estes registros históricos são-luisenses, que aqui se propõem, retratando um inventário sentimental dos bairros e personagens da cidade, os quais serão, antes de mais nada, um estado de espirito, transfor mado em escritos, confirmando que o livro é a principal referéncia da educação e aculturação no processo de desenvolvimento, indo mais além, graças aos instrumentais da modernidade e os avanços da globalização navegarão via Internet, mostrando a memória - história são-luisense para o Mundo, em uma radiografia viva da força cultural da Cidade-Poesia.

Livros da série publicados:

1-João Chiador: 50 Anos de Glória, Meio Século de Cantoria; 2- Praia Grande, Cenários: Históricos Turísticos e Sentimentais; 3-ZBM: O Reino Encantado da Boëmia. (...)".


Autógrafo de Reis
Desta forma, com essas republicações, sem nenhum fim comercial ou publicitário, joga-se na nuvem, um pouco da história faminta (para ser lida e compartilhada) de nossa velha São Luís-Ma. Especialmente por centenas de maranhenses alocados em outros estados, cidade e países, como os comentários às publicações do facetubes.com.br tem demonstrado de forma real. 

Portanto, compartilhe e comentem também. Obrigado.

O texto de Ubiratan Teixeira

MERETRICIO COMO INSTITUIÇÃO

*Ubiratan Teixeira

Falar da Zona de Meretrício como uma questão social aborda pelo prisma sofisticado dos cientistas que identificariam patologias, questões econômicas e morais, envolvimentos sociais e religiosos ou mesmo sei lá o quê, deve ser, quando pouco, extremamente complicado. 

Essa expressão baixo meretrício por nós usada, não é comum em outros centros brasileiros, tampouco noutras culturas -usamo-la nós, o que de resto sempre me deixou com a suspeita de que, se existe um baixo, forçosamente haverá um alto. 

Mas não e essa a tese que está sendo neste livro. O economista, pesquisador e escritor José Ribamar Sousa dos Reis, autor de outros excelentes ensaios sobre São Luís, fala da Zona de Baixo Meretrício como ponto de referência boemia, local de lazer, purgatório de mágoas desfeitas através da libido.

Reis fala, disserta, discorre – sem questionar ninguém: nem o processo econômico que instalou os cabarés naquele trecho da cidade, nem as quizílias de uma ditadura que confinou as putas nessa área histórica de São Luís.

Foi aí pela década de 40 que o interventor Paulo Martins de Souza Ramos, fortemente respaldado nos poderes ditatoriais que o garantiam no Palácio dos Leões, concordou com seu chefe de polícia Flávio Bezerra, em confinar as raparigas numa zona só delas. E assim, a venerada irmandade, disseminada por toda a cidade, em casas consideradas suspeitas, de mistura a vetustos sobrados da tradicional família maranhense, viu-se concentrada, de repente, em quatro quarteirões e algumas vielas de inestimável valor arquitetônico e cultural, que abrangiam as ruas da Estrela, Palma, 28, entre outras.

Ainda menino, levado pelo meu jovem pai para passear de velocípede entre a Praça Benedito Leite e a Avenida Maranhense, ficava olhando demoradamente para aquela área de grandes so-brados e foi aí que tive as primeiras informações sobre a existência dessas misteriosas senhoras.

Ao cair da tarde, da amurada da Benedito Leite, ali bem em frente onde foi o casarão da Companhia Telefônica, vislumbrava pela janela de um dos sobrados, algumas mulheres que se aproximavam de uma vitrola, onde colocavam discos e desapareciam, iam e voltavam e penso que indo e voltando deviam passar a noite inteira. 

Funcionava ali, vim saber alguns anos mais tarde, a conceituada Pensão da Chicó "só para raparigas", expressão usada para recensear e sobretudo estigmatizar as moças "sem juízo", que passavam seus tempos entretendo, entre outros clientes, meritíssimos juizes.

Na grande cidade noturna fortemente guardada por patrulhas do exército e da polícia militar, tendo a Chefatura de Polícia como marco de fronteira, imperavam Zilda Branca e Zilda Preta, Maroca (hoje glorificada num institucional do governo do Estado como patrimônio cultural da cidade), Honorina, Lolita, Chiquinha Navalhada, Zuca, Perpétua (que acabou criando o primeiro chatô da cidade, modelo primitivo dos atuais motéis), entre outras.

São Luís das noitadas de orgia, de solidariedade com a civilização de outras latitudes. Não sem propósito, talvez, uma das ruas desse distrito, se chamava 28 de Julho, data da Adesão do Maranhão à Independência do Brasil.

Com a dissolução da Zona Oficial e a consequente atomização do meretricio, as grandes damas da noite recolheram-se ao ostracismo ou entraram em processo de pungente decadência. O mesmo sistema que as gerou e as estimulou, condenou-as a um fim melancólico. Certa vez, conversando com Maroca, para uma série de reportagens que fazia para o Jornal do Povo, ela falou amargamente sobre seus concorrentes.

- Professor Berico, jornalista; ele e essas escolas da noite, o culpado do nosso fim. O senhor vê? Todas saiticas, carregando prancheta debaixo do sovaco; tudo piranha concorrendo com a gente: as piranhas de pranchetas.

Não é exatamente desta, especificamente desta coisa, que fala o historiador José Ribamar Sou- sa dos Reis neste seu vivido depoimento: mas de todas as coisas folclóricas e reais, que envolveram este capítulo da vida social maranhense.

*UBIRATAN TEIXEIRA é jornalista, ficcionista e membro da Academia Maranhense de Letras.


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