Edson Vidigal
Qui mai qui tu quer?
Há um encanto irresistível na ilha, não saberia definir
direito nem dizer bem por que, mas noto que muitos dos que por aqui aportam, e
se ficam uns dias a mais, logo se enamoram e se enturmam e vão ficando.
Diferente um pouco do que se sucedeu àquele jovem navegante,
o qual depois de se engalfinhar zangado medindo forças com o capitão do navio
foi por este largado sozinho na primeira ilha que apareceu.
Não tendo certeza se essa ilha foi ou não a de São Luis do
Maranhão, Daniel Defoe não omite que Robinson Crusoé viveu por uns tempos no
nordeste brasileiro como um próspero dono de plantações de cana – de - açúcar.
O que importa aqui é o contraste.
Enquanto Crusoé teve que cumprir a pena de cinco anos de
degredo numa ilha onde faltava tudo, tendo ele que viver se agarrando aos gatos
que usava como escudos contra os ratos cuja população só aumentava a cada dia,
os que por aqui foram aportando, incluindo nós outros, e hoje já somamos um
milhão na demografia, nunca tivemos, nem temos hoje, absolutamente nada do que
nos queixar.
Muito sol, muita chuva, muita praia, muita alegria, dentro
da ilha e no seu derredor é tudo muito farto.
Só os que não sendo cegos que nem eu, mas que exatamente por
isso insistem em querendo enxergar demais, se queixam da farta de água, da
fartura dos mosquitos e das muriçocas, da farta de iluminação publica nas ruas
por onde ninguém passa mais, da farta de transportes, da farta de limpeza
pública, da fartura de buracos, da farta de empregos, da farta de segurança, da
farta de vagas nas escolas publicas, da farta de atendimento nos hospitais, da
farta de dinheiro para comprar remédios, só esses doentes acometidos de
incapacidades para silenciarem suas aspirações cidadãs, não se fartam nessas
farturas.
Só esses tarrabufados que nem eu que se embebedam de idéias
por aqui de há muito decaídas como as republicanas e outras defasadas chamadas
de democráticas, falando em alternância no poder, talvez pensando que por serem
maioria quase absoluta nas contas demográficas acham que podem dar algum
palpite nas coisas.
A ilha não é deles. Mas quem somos nós, primos?
E o que fazer se a ilha faz parte do Maranhão, portanto
muito bem representativa para ser a Capital desse estado de coisas?
Isso me faz lembrar o nosso querido e não menos saudoso Professor
Solano, dono do Ateneu, quando uma vez de dedo em riste para o meu nariz me fez
lembrar que o colégio era dele e que os estatutos que eu invocara na condição
de Presidente do Grêmio dos alunos eram ele, e ponto.
Assim também esse milhão de Crusoés abobalhados.
O que querem mais? Não já alcançaram a ilha? Já não assistem
novela de graça, não tem carnaval de graça, regue de graça, opa regue de graça
não, bumba meu boi de graça, já não são feitos de bobos e tratados como idiotas
de graça?
Não já moram na ilha respirando essa brisa inigualável e se
enlevando pelos encantos encantadores e também de poetas, de jovens mucuras e
de velhas raposas em domínios nunca dantes inimagináveis?
Alguns podem até se candidatar às próximas eleições ainda que
só para não as vencerem, mas e daí podem ser candidatos, sim, e então o que
querem mais?
Como pergunta o Baleiro na canção, - que mai que tu quer?
Cachaça, samba, viola, mariola, gaita, fumo e muier? Qui mai qui tu quer?
Dizer que ama é para uns doentes uma forma de mascarar a
dependência. Quando dizemos ao mundo que só não abandonamos a ilha indo nos
embora para bem longe dos donos daqui porque a amamos demais estamos, sim, na
verdade, mascarando essa nossa dependência talvez já bastante doentia.
Dependência dessas coisas do presente cotidiano nos mesmos
cenários e onomatopéias que nos entristecem e nos revoltam, mas também nos
divertem.
Quem é que está muito doente de loucura abissal para querer
ir se embora agora de vez desta ilha do amor, gente?
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal
de Justiça e do Conselho de Justiça Federal.
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