Estudos nacionais e internacionais estimam que, a cada 100 pessoas acolhidas em serviços de urgência e emergência, de 30 a 40 procuram atendimento devido ao uso incorreto de medicamentos. Para mudar essa realidade, Curitiba está capacitando profissionais da área farmacêutica que atuam na rede municipal de saúde e, por meio deles, reforçando a orientação aos pacientes sobre aspectos como a dose correta, os horários mais adequados para ingerir o medicamento e até a forma de armazenamento. Só este ano já foram realizadas 2.288 consultas farmacêuticas.
A iniciativa faz parte de um programa federal para
qualificar o serviço farmacêutico nos equipamentos de saúde, que teve início em
Curitiba em abril do ano passado. Hoje, o Programa de Qualificação dos Serviços
Farmacêuticos (QualifarSUS) está em andamento na capital paranaense.
Faz parte da iniciativa identificar pacientes que tenham
dificuldades no uso medicamentos para que sejam orientados pelos farmacêuticos
dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). “Os profissionais avaliam a
real necessidade de consumir esses remédios e evitar sobredoses, já que alguns
medicamentos interagem entre si ou com alimentos. É uma nova forma de o
farmacêutico aplicar seus conhecimentos na rede do SUS e se aproximar dos
pacientes”, afirma a coordenadora de Atenção Farmacêutica da Secretaria
Municipal de Curitiba, Beatriz Patriota.
Além de avaliar os medicamentos usados e orientar sobre
horários e armazenagem, os profissionais também contribuem com a logística, o
controle e a distribuição dos fármacos na rede da Secretria. Na segunda etapa
do projeto, iniciada em maio de 2015, o serviço está sendo expandido para as
nove unidades de pronto atendimento (UPAs), centros de atendimentos psicossocial
(Caps), Maternidade Bairro Novo e centros de especialidades médicas do
município, como o Centro de Orientação e Aconselhamento (COA).
“Neste momento, nossos profissionais já estão capacitados e
a assistência farmacêutica tem sido feita em toda a rede de atenção básica.
Agora, queremos impactar a vida de pessoas que procuram atendimento em outros
serviços de saúde, como os de urgência e emergência”, diz Beatriz. Diante de
estudo publicado na revista científica internacional Pharmacotherapy, a
coordenadora conta que o atendimento e o internamento de 70% dos pacientes que
procuram ajuda nos serviços de pronto atendimento por problemas relacionados
com medicamentos poderiam ser evitados. A partir dessa informação, estima-se
que a economia ao Município giraria em torno de R$ 10,8 milhões caso esses
atendimentos não fossem necessários.
Resultados
Desde que o projeto teve início na capital paranaense, em
abril de 2014, 4.998 consultas farmacêuticas foram realizadas em unidades
básicas de saúde (2.710 em 2014 e 2.288 até o fim de julho de 2015). Os
atendimentos de 2014 triplicaram comparados aos 868 registros de 2013. Em
relação a 2012 (quando foram realizadas 439 consultas), o número é seis vezes
maior. A maior parte dos pacientes tem quadros clínicos de hipertensão,
diabetes (tipo 2), dislipidemia e obesidade e faz uso, em média, de sete
medicamentos.
“Temos tido um excelente retorno por parte das equipes. O
envolvimento dos farmacêuticos nesse processo é muito importante. Esses
profissionais têm se dedicado muito a esse novo modelo de atendimento. Eles são
valorizados, assim como o conhecimento que têm e a formação que receberam. A
intenção é de que a nossa rede atinja a marca de 3,5 mil consultas
farmacêuticas nas unidades básicas de saúde neste ano”, afirma o secretário
municipal da Saúde, César Monte Serrat Titton.
No primeiro ano de atividades, praticamente todos os
usuários atendidos (99%) apresentavam algum problema relacionado ao uso de
medicamentos. Outros dados mostram que 89% tinham algum tipo de dificuldade
para controlar o consumo dos fármacos, 82% relataram problema de adesão ao
tratamento indicado, 47% não possuíam tratamento efetivo, 54% omitiam doses dos
medicamentos indicados, 34,2% desistiam do tratamento por conta própria e 32,8%
não respeitavam o horário da medicação.
Dez medicamentos
A aposentada Maria Tereza do Nascimento, de 60 anos, e a
dona de casa Araci Farias Garcia, 57 anos, têm sido acompanhadas pela
farmacêutica Marina Yoshie Miyamoto na Unidade de Saúde Solitude, no bairro
Cajuru. Maria Tereza toma diariamente dez medicamentos para controlar o
colesterol, a hipertensão e o diabetes. Um dos remédios só passou a fazer o
efeito esperado depois que ela passou a ingeri-lo em jejum, orientação que
obteve com a consulta farmacêutica. “A gente vê que eles se preocupam com a
nossa saúde. É um cuidado melhor”, conta a aposentada.
Já Araci faz uso de cinco medicamentos diferentes. “Acho que
dá mais de dez comprimidos por dia e, às vezes, esqueço de tomar algum. É
importante ter esse acompanhamento porque a gente não se dá conta da doença que
tem. Não é tão simples tomar os medicamentos”, afirma Araci, que trata diabetes
e hipertensão. “Grande parte das pessoas não sabe a importância de de controlar
a doença e tomar os medicamentos nos horários certos. O tratamento pode não ter
efeito”, diz Marina.
A farmacêutica do Nasf ainda destaca a valorização do
profissional a partir desse novo modelo de serviço. Há sete anos na rede de
saúde, a primeira consulta farmacêutica que fez foi no ano passado. “A gente
sente que faz mais parte da equipe para fazer o cuidado integral do paciente.
São outras responsabilidades, mas nos sentimos mais valorizados e é muito
gratificante ver que estamos fazendo a diferença na vida dos pacientes”, afirma
Marina, que atende em quatro unidades de saúde, somando cerca de 80 consultas
farmacêuticas por mês.
Exemplo
A experiência de Curitiba no QualifarSUS está retratada nos
cadernos da série “Cuidado Farmacêutico na Atenção Básica”, que teve o quarto
volume lançado pelo Ministério da Saúde em fevereiro deste ano. O programa
federal foi instituído em 2012 pelo Ministério da Saúde e está estruturado em
quatro eixos: estrutura, educação, informação e cuidado. Curitiba deu espaço a
um projeto-piloto que contemplou principalmente o eixo do cuidado e os
resultados obtidos servirão de exemplo para que a iniciativa seja reproduzida
em outros municípios brasileiros.
Neste momento, a estratégia de qualificação da assistência
farmacêutica está em curso em Recife (PE), Betim (MG) e Lagoa Santa (MG). “Não
adianta ofertar o medicamento se a população não faz o uso correto e não tem a
efetividade para o tratamento”, afirma o secretário nacional de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos, Adriano Massuda.
Para o QualifarSUS ser implantado em Curitiba, foram
investidos R$ 870 mil em recursos federais.
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