*Sebastião Nery
RIO – O telefone tocou na casa de praia de Madame
Schneider, uma francesa amiga de Juscelino Kubitschek, a 20 quilômetros de
Saint Tropez, no sul da França, onde ele, dona Sara, as filhas Márcia e
Maristela e o ex-secretário amigo dileto Olavo Drummond, passavam uns dias
descansando, depois de deixar a presidência da República em 31 de janeiro de
1961.
Era o empresário, poeta e redator de alguns dos
históricos discursos de Juscelino, Augusto Frederico Schmidt, falando do Rio:
– Juscelino, estou recebendo um clipping das revistas dos
EUA. A revista “Time” está dizendo que você é “a sétima fortuna do mundo”.
Conversaram, Schmidt desligou e Juscelino ficou
deprimido, amargurado. Olavo o chamou para darem uma volta:
– Presidente, hoje de manhã, quando fui comprar os
jornais, quem estava na banca era a Brigitte Bardot. Podemos encontrá-la de
novo.
Juscelino riu. Saíram. A primeira pessoa que viram foi a
Brigitte Bardot, no auge do sucesso, com aquela carinha de paraíso terrestre
depois da maçã, cercada de fãs, tirando fotografias. Juscelino se afastou:
– Olavo, se eu sair com essa mulher em um fundo de
fotografia, a imprensa vai dizer no Brasil que estou namorando com ela.
Mas não esqueceu a história da “sétima fortuna do mundo”.
Quatro anos depois, a embaixada da Inglaterra no Brasil
mandaria a Londres um documento para o “Foreign Office”, sob o cód.371/179250:
– “O ex-presidente Kubitschek retornou ao Brasil. Não há
dúvida de que ele é popular, com seu charme e suas ideias expansivas e grandiosas.
Mas ele era um verdadeiro símbolo da corrupção, saiu da pobreza para a posição
de sétimo homem mais rico do mundo, segundo a revista “Time”.
Essa história do “sétimo homem mais rico do mundo” era
então exaustivamente repetida pelo ex-deputado da UDN baiana Aliomar Baleeiro,
e outros udenistas, civis e militares, depois do “Golpe de 64”.
Era uma velha indignidade. Na véspera de passar o governo
a Jânio Quadros em 31 de janeiro de 1961, Juscelino reuniu um grupo de
ministros, auxiliares e amigos no Palácio da Alvorada. Chega Jose Maria Alkmin:
– Juscelino, estou seguramente informado de que o Jânio
vai fazer um discurso agressivo contra você, na sua frente, na solenidade de
transmissão do cargo, no Palácio do Planalto.
– Vou passar o cargo ao presidente que o povo elegeu. Só
o Dutra passou. Quero dar uma demonstração ao mundo de nossa democracia.
– E se ele fizer um discurso agressivo?
– Dou-lhe uma bofetada na cara e o derrubo no meio do
salão. Vai ser o maior escândalo da história da República.
Não houve discurso nem bofetada.
CARTA DE JK
“Rio de Janeiro (GB) 15 de agosto de 1973.
Meu caro Sebastião Nery.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que Sarah e eu ficamos
encantados com a dedicatória com que nos distinguiu. Ao oferecer suas 350
Histórias do Folclore Político.
Palavras, não do fulgurante jornalista, mas do amigo de
sempre, fiel e querido. Realmente, você tem razão: os políticos, os dirigentes
dos países, os estadistas não fazem a história. Nem a compõem tão pouco os
heróis de Carlyle. Os homens públicos apenas se agitam, quando muito, como você
o diz, lançam a semente.
O seu excelente livro fez-me a alegria de uns dias
intermináveis, porque a cada anedota, a cada uma dessas admiráveis blagues eu
voltava com ansiedade e o riso renovado.
Ainda bem que os homens do passado fizeram a crônica dos
tempos políticos não com a violência, mas com a graça, o humor e esta
extraordinária sensação da consciência limpa e tranquila.
O que você conta se renova, através da força com que
reveste o dito e dá festa de sol e calor a esses casos isolados do interior que
na sua pena de mestre se projetam na grande página da capital.
Particularmente, sinto-me honrado de figurar neste seu
suave repositório de verve e de sutil perspicácia, repleto de uma cordialidade
que nos une e nos comove.
Receba meus parabéns e sinceros agradecimentos.
Com muita amizade e crescente admiração, do amigo de
sempre.
Juscelino Kubitschek”
(No dia 22 de agosto fez 40 anos que JK morreu. Foi o
maior presidente que o pais teve. E a falta que ele faz!)
*Sebastião Nery é jornalista e escritor. Foi deputado Federal.
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