Marli Gonçalves
Pã, papam, pã-pãm, papapapaaaam. Aconteceu comigo. Foi
agora por esses dias. Mais precisamente já na madrugada do domingo, 21 de maio,
o que piorou ainda mais. Madrugada. Meu coração quase saiu pela boca. Estava
despreparada para qualquer notícia ruim naquele momento, tão ruim que não podia
nem esperar? Estava relaxada, por algumas horas tinha esquecido esse tormento
que virou o dia a dia nacional. Esse novo tormento.
Mas quando vi aquilo, aqueles microfones apontados como
mísseis vindos em minha direção, como que saindo, pulando, da tela da tevê no
meu colo, deu palpitação e naqueles segundos, vocês não acreditariam, tantos
pensamentos passaram velozmente até surgir a apresentadora. Várias hipóteses
que poderiam até ser concretas. Cada uma mais louca que a outra. Todas essas,
as minhas, até valeriam um plantão àquela altura.
Mas não. Naquele, uma trêmula apresentadora que estava
certamente de plantão na redação surgiu para dar um outro plantão- e que até
ela me pareceu não estar convencida da importância. Ela apareceu ali para
anunciar que uma reunião da Ordem dos Advogados do Brasil havia decidido pedir
o impeachment do presidente Michel Temer. Ohhhh. Oi?Vê se isso é notícia para
dar em plantão de madrugada num sábado? É? Mudou sua vida? Resolveu nossos
problemas? Vale alguma coisa nesse país que desrespeitou e diminuiu nos últimos
tempos as entidades da sociedade civil a pó de poeira? Responda rápido: qual o
nome do atual presidente da OAB?
Vou ser sincera para vocês. Xinguei muito. Falando
sozinha, mas xinguei, ô se xinguei. Eu tinha acabado de chegar em casa, do
teatro; fui ver Roque Santeiro durante a Virada Cultural. Com fome tinha
preparado um lanche maravilhoso (... tá, tá bom: um hambúrguer X-Salada-Tudo e
mais um pouco) para comer na sala vendo tevê. Tinha dado a primeira mordida,
sabe aquela quando a maionese se espalha e o queijo derretido cria uma união
teimosa entre sua boca e o sanduíche?? Aí veio a musiquinha maldita, sinistra.
Pã, papam, pã-pam, papapapaaaam
Não foi legal. Não me fez bem. Se eu, que acompanho essa
trapalhada toda por dever até de profissão não gostei, imagino como foi nesse
Brasilzão de Deus, nas tevês de beira de estrada, nos cafundós. Uma tal de OAB
fez num-sei-o-quê.
Já estamos tomando muitos sustos. Quer cena mais para
assustar criancinha do que aquele vídeo do Aécio com cara de medo, olhar de
medo, e sem nenhuma "convincência", na frente de uma parede lisa de
cor horrível, dizendo-se enganado, ingênuo, desfalcado de recursos? Patético. A
expressão do Rodrigo Maia girando o pescoço na quarta-feira do terror em
Brasília, e que saiu pedindo reforço da segurança, que acabou chegando o
Exército para acudir?
E as duas vezes que apareceu rede oficial no púlpito,
para a fala do presidente que toda hora é fotografado engolindo bocejo - não
repararam? Ele engole o bocejo de uma forma bem engraçada. Põe para dentro,
fica bochechudo. Não deve estar dormindo nada bem. Nas duas vezes falou, falou
e não resolveu nada, quase não disse coisa com coisa, como diria meu pai. E a
entrevista exclusiva que ele resolveu dar? E que não tinha um assessor que
preste para corrigi-lo quando citou a operação Carne Fraca que só aconteceria
dez dias depois e que ele usava como argumento para explicar ter recebido no
porão de casa o malaco da carne na calada da noite?
Está confuso demais. É mala monitorada que não estava
monitorada em nada e justamente ela some, reaparece com uma mordida enorme de
bufunfa; é gravação que brota de tudo quanto é canto, até as que não têm nada a
ver com o peixe, mas expôs um jornalista que andou arranjando inimigos até
debaixo da água.
Por favor, mais comedimento em usar a música maldita e
sinistra que nunca traz boas notícias, e que nos ameaça com aqueles microfones
na piracema.
Essa musiquinha de agora, mais invocada, tem pouco mais
que 14 anos. Mas o plantão se iniciou em 1982, anunciando a eclosão da Guerra
das Malvinas. De lá para cá, 35 anos, não foram muito mais de quinhentas vezes
a sua utilização. Mas esta, a primeira, já chegou me apavorando e afetando
muito. Naqueles dias, sob o comando do admirável Fernando Portela,
completávamos, no Jornal da Tarde, uma das maiores reportagens de todos os
tempos - de fôlego, três meses de batalha. Chamava-se Viver em Prédios e
reportava todos os fatos ligados a isso, de todos os ângulos. Principalmente o
do difícil convívio entre os seres, carros, portas, goteiras e vazamentos,
portarias e garagens.
A matéria acabou decepada para dar espaço ao noticiário
da guerra aqui de nossos vizinhos argentinos, que não cumprimentam ninguém no
elevador. A propósito, está de novo uma barulhada e tanto nesse Edifício
América Latina.
Marli Gonçalves é jornalista
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